Por que cheiro de cocô de cachorro é tão ruim para nós e tão bom para os cachorros
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Nós não costumamos pensar muito nessa coisa toda, o que faz sentido. Mas pesquise um pouco mais, e um mundo inteiro de fedor irá se abrir — como aprendemos quando, sofrendo um pouco com vergonha, pedimos para alguns psicólogos, cientistas do cheiro e especialistas em cachorros para falar sobre isso. Na mais recente edição do Giz Asks, descobrimos que a dificuldade da nossa espécie com o apelo do cheirar cara a cara cocôs na rua envolve algumas questões cruciais de evolução, aprendizado cultural e o que realmente significa “gostar” ou “desgostar” de um cheiro.
Donald Wilson
Autor de “Learning to Smell: Olfactory Perception from Neurobiology to Behavior”, professor de Psiquiatria de Crianças e Adolescentes e de Neurociência e Fisiologia, Cientista Pesquisador Sênior do Nathan Kline Institute for Psychiatric Research.
Cachorros realmente gostam de cheirar fezes e urina e o traseiro de outros cachorros? Parece que eles devem gostar, sim, porque um cão nunca vai lá e apenas sente o aroma do traseiro dos outros — muitas vezes, têm contato direto. Mas muitos animais têm um sistema olfativo secundário que está ligado a lidar com odores que são realmente pesados. Os odores que nós sentimos são por definição voláteis — eles flutuam no ar e, conforme respiramos, eles entram no nosso nariz. Cães têm uma estrutura chamada órgão de Jacobson, que funciona não apenas com a inalação, mas é uma como uma espécie de bomba. Ele fica no nariz ou, às vezes, no céu da boca. Eles podem enterrar seus narizes no traseiro de outro cachorro, ou na urina, ou fezes, e, com seu órgão de Jacobson, conseguem realmente puxar essas moléculas pesadas e extrair mais informação do que nós podemos.
Peter Hepper
Chefe da Escola de Psicologia da Queen’s University, em Belfast.
Para o cão, fezes são uma fonte de um monte de informações. Elas dizem aos cães sobre o indivíduo que depositou as fezes, seu status de dominância, relações, sexo e por aí vai. A principal função para caninos é a delimitação de território. Cães defecam ao redor dos limites do território e de caminhos chave para marcar sua propriedade com as fezes. Cães usam fezes, humanos usam cercas — apesar de eu não saber se é efetivo um humano usar fezes como limite de fronteira. Fezes são atraentes para cães, e um dos maiores mistérios que precisamos resolver é por que alguns deles rolam em cima delas. Talvez para camuflar seus próprios odores, aumentando seu status social. Ou talvez não exista função — talvez seja apenas um resquício de evolução ou, interessante em termos dos valores percebidos das fezes, uma função confortante e de reforço. A evolução provavelmente contribuiu para isso — o alcance maior de cheiros que um cão consegue detectar co-evoluiu com os sinais evolucionários olfativos para fornecer um sistema de percepção que coloca muito mais ênfase nos odores. A dependência humana na visão nos apresentou pouca pressão para evoluirmos um sistema de sinais olfativos comparáveis aos dos cães por causa das pequenas diferenças na forma como operamos o mundo. Humanos percebem odores “ruins” por meio de seu mecanismo de prevenção de danos instintivo evolucionário, como a repulsa às fezes para evitar doenças, ou por meio de aprendizado. Uma fonte particularmente forte é o teste de aprendizado de aversão a comidas quando você fica doente após consumir uma comida em especial, quando o cheiro e o gosto da comida se tornam repulsivos. Em ambos os casos, a função parece nos proteger de danos e nos fez evoluir nesse sentido. Alguns produtos químicos têm cheiro ruim — a amônia, por exemplo —, e nós sentimos como faz mal através do nariz.
Alexandra Horowitz
Autora do Bestseller #1 do New York Times ‘Inside of a Dog’ e ‘Being a Dog’; dá seminários sobre cognição canina e escrita criativa não ficcional no Barnard College, na Columbia University e é chefe do Horowitz Dog Cognition Lab.
Os chamados cheiros “bons” e “ruins” são produtos da nossa cultura. Crianças novas são ambivalentes em relação ao cheiro de cocô e chulé: já que precisamos ser ensinados que eles são “ruins”. Com certeza existem algumas predisposições biológicas para evitar cheiros que vêm de fontes que não devemos ingerir, mas as crianças são impressionantemente curiosas com os chamados cheiros ruins. Cães, por outro lado, estão na nossa cultura, mas não são da nossa cultura. Eles não herdam os nossos sistemas de valor (a não ser que os treinemos nessas regras). Portanto, são deixados com suas próprias tendências caninas. E suas tendências são definidas por serem criaturas olfativas — animais que cheiram o mundo antes, diferentemente dos humanos. A paisagem olfativa da calçada para um cão urbano, por exemplo, dá uma imagem de quem esteve lá, quando, o que eles comeram e para onde eles foram. Para cães, parece não existir cheiros bons ou ruins. Cheiros são apenas informações, de cocô inclusive (apesar da maioria dos cães ter aversão aos seus próprios excrementos).
Cat Warren
Cat Warren é autora do Best Seller What the Dog Knows: Scent, Science, and the Amazing Way Dogs Perceive the World.
Existe toda essa maravilhosa variedade de comportamentos — e até mesmo comportamentos diferentes com diferentes cães. Deveria ser a coisa mais nojenta, quando cães comem o próprio cocô ou o de outro cão, mas geralmente é porque eles estão com ausência de algumas vitaminas e minerais essenciais na comida que recebem. O cocô lhes fornece isso. Se pensarmos sobre o intestino humano comparado com o de um cão, um dos motivos pelos quais os cães cheiram muito mais e comem coisas que provavelmente nos mataria é o modo como o seu sistema digestivo é tão curto que as coisas apenas passam por eles. Humanos aprenderam que esse tipo de coisa é ruim; cães não são punidos tão frequentemente por seus corpos ao comer coisas bem fedidas.
Avery Gilbert
Membro da Association for Psychological Science; autor de What the Nose Knows: The Science of Scent in Everyday Life, que foi finalista do Los Angeles Times Book Prize em Ciência e Tecnologia.
O que torna um cheiro “ruim”? Sempre tem um Tio Chico na plateia que gosta de um fedor. E o contexto importa: um bom queijo francês tudo bem, mas o mesmo cheiro vindo de uma fralda cheia, não. Evoluímos para desgostar não de cheiros específicos, mas de classes de cheiros ligados a fontes biológicas relevantes: carne em decomposição, urina e, é claro, fezes. Nem todo cocô tem o mesmo cheiro. O dos predadores tem uma característica densa, carnuda. Um cheiro usado para deixar nossos ancestrais hominídeos em guarda, e é por esse motivo que ainda ressoa conosco. Estrumes de vaca e cavalo são bem menos ofensivos, parcialmente por sua dieta, mas também porque evoluímos junto dessas criaturas durante milhares de anos. Cães não se aproximam do cocô como uma experiência estética, eles tratam como uma fonte de informação social, como um Instagram olfativo. Ele responde muitas perguntas: quem fez isso? Há quanto tempo? O cachorrinho está doente? Nós conseguimos informações similares. A nuvem que envolve o banheiro do escritório nos diz quem almoçou onde não deveria. O encanamento e a ventilação nos roubam dos sinais sociais das fezes e nos deixam apenas com o nojo.
Charles Spence
Chefe do , da Universidade de Oxford. Seu novo livro ‘Gastrophysics: The new science of eating’ (2017; Penguin Viking) lida, em parte, com a tradução do desenvolvimento inspirado em neurociência para comida do restaurante modernista a hospitais, aviões e casas.
Todos nascemos gostando de certos gostos e desgostando de outros. Mas nós não nascemos realmente com nenhuma preferência quanto a cheiros. O motivo pelo qual maioria dos cheiros, quando pensamos neles como adultos ou crianças grandes, ganharia esse gosto ou desgosto tem a ver com o que esses cheiros são comparados ou associados. Bebês colocam todo tipo de coisa na boca e precisam aprender com o tempo que isso é nojento. Tudo é aprendido. Existe uma nota fecal, no entanto, como a chamam na perfumaria — uma nota fecal agradável na base de alguns perfumes. Misturada com cheiros florais, a nota fecal permanece interessante. Nós podemos nos adaptar a cheiros agradáveis, nós podemos nos adaptar a cheiros neutros, mas não conseguimos de fato nos adaptar a cheiros desagradáveis. Então, todo mundo que mora ao lado de uma granja sempre vai sentir um cheiro horrível, sua vida inteira. Se você colocar uma nota levemente desagradável em um perfume ou fragrância, então você nunca vai de fato se adaptar àquilo e, portanto, você está meio ciente da fragrância durante mais tempo do que estaria normalmente. Se fosse apenas agradável, você diria: ‘Ok, agradável, sim, entendi, eu não preciso prestar mais atenção nisso’.
Dra. Deborah Wells
, School of Psychology, Queen’s University, em Belfast
Enquanto humanos, somos biologicamente programados para evitar ingerir materiais que podem ser danosos à nossa saúde. De um ponto de vista evolucionário, simplesmente não é vantajoso comer algo que é potencialmente prejudicial; de fato, nesse sentido, fezes que são cheias de bactérias podem ser consideradas como tendo um cheiro ruim para o nosso próprio bem, reduzindo as nossas chances de entrar em contato com infecções e doenças. Na verdade, as fezes costumam ter um cheiro repulsivo para muitos animais, inclusive cães. No entanto, uma pequena porção de indivíduos pode ficar intrigada, ou até mesmo atraída, pelo cheiro de fezes, em alguns casos chegando até a consumi-las. O cão tem um impressionante sentido olfativo, algo que acredita-se ser dez mil a 100 mil vezes melhor do que o dos humanos. Cães de estimação costumam receber uma dieta muito rica baseada em carne, possibilitando-lhes produzir fezes que podem ser atraentes para alguns animais. Como seu ancestral lobo, o cão doméstico é um predador oportunista e pode ir em direção ao cheiro de fezes, particularmente aqueles contendo restos de comida não digerida. Alguns cães também urinam depois de defecar, com a urina contendo muitas informações sobre o status do indivíduo, por exemplo seu sexo e status de castração. Isso pode servir como um atrativo para um animal social que depende muito do seu sentido do olfato.