Carreira de influenciador é o novo “quando crescer quero ser jogador de futebol”

No Brasil, o número de pessoas se consideram na profissão de "influenciador" já chega a 500 mil, todos com mais de 10 mil seguidores. Saiba mais dessa tendência
Carreira de influencer é o novo "quando crescer quero ser jogador de futebol"

Receber presentes, ser convidado para eventos, ter viagens pagas e sempre estar no centro das discussões nas redes sociais: essas vantagens viraram sinônimo de ser influenciador no Brasil, o país com mais influencers no Instagram do mundo. 

Um da multinacional Nielsen Media Research mostrou, no começo de fevereiro, que mais de 500 mil pessoas trabalham como influencers no país. Cada uma reúne pelo menos 10 mil seguidores. 

A popularidade dos influenciadores no Brasil já fez com que deputados a profissão. Enquanto este vira o sonho de muitas crianças, assim como o clássico desejo de se tornar jogador de futebol. 

Dessa forma, até jogadores se tornam influenciadores. Esse é o caso de Neymar Jr., que em 2020 foi o no Brasil. Hoje ele soma mais de 207 milhões e já estreou campanhas com grandes marcas, como Red Bull e Puma.

Mas, além de só existir um Neymar Jr., e mesmo que soem parecidas, as profissões de influenciador e jogador de futebol estão distantes uma da outra. Apesar de ambas envolverem talento e um tanto de sorte, ainda há um mistério sobre o que faz com que alguns influenciadores tenham sucesso e outros fiquem para trás, mesmo com muitas tentativas. 

A verdade é que não existe receita de bolo para ser bem sucedido na internet. Ainda que existam algumas “fórmulas”, como manter uma boa regularidade de conteúdos nas redes sociais, os influenciadores dependem do algoritmo e de outra coisa que está além do seu controle: a aceitação do público. 

//www.instagram.com/p/CoU_1qBo3lK/

Um papo sobre autenticidade 

Thaís Giraldelli trabalhava como maquiadora e fazia extensões de cílios quando começou a postar seus conteúdos no Facebook em 2014. À época, ela mantinha dois perfis: um profissional, com suas makes artísticas e dicas de beleza, e outro pessoal, onde publicava fotos com amigos e família. 

Mas, com o passar do tempo, percebeu algo inesperado: seu perfil pessoal despertava muito mais interesse e engajamento que o profissional, mesmo com menos seguidores. Foi então que entendeu que suas dicas e fotos tinham potencial para transformá-la em influenciadora – uma função que ainda levava o nome de “blogueira”. 

“Meu perfil pessoal era até fechado, mas dava muito engajamento”, contou ela ao Giz Brasil. “Eu nem acreditava muito nisso, achava até que tinha cara de nojenta [risos]. Mas as pessoas começaram a me seguir, me conhecer. Comecei com nicho de bairro, amigos, clientes e alunas”. 

Hoje, Thaís dá pelo menos duas palestras por semana, acumula mais de 730 mil seguidores no Instagram e ganha dinheiro com posts. “Em algum momento, comecei a despontar como referência. As marcas começaram a me procurar para mostrar seus produtos”, lembra. 

//www.instagram.com/p/Cpcj-1yO4wu/

Questão de nicho

Escolher um nicho deve ser o primeiro passo de quem deseja entrar nessa área, afirmou Marcelo Balerone, diretor de novos negócios da Squad Social Lab, uma das primeiras empresas de marketing de influência no Brasil. 

“Se você for pequeno, tem que começar super nichado, primeiro no bairro, depois na cidade. Por isso, o planejamento é essencial. O influenciador precisa saber quem ele quer ser, passar transparência, ser autor do próprio conteúdo. Em resumo, esquecer receita de bolo”, disse ao Giz Brasil

Apesar de depender dos algoritmos das redes sociais – e das infinitas mudanças, em especial no Instagram – o mercado não está saturado, mas, sim, mais exigente. “Assim como em todas as carreiras, sempre vai existir aquela minoria que estoura e aqueles que não vão conseguir sobreviver”. 

Quem quer ser um influenciador 

Uma pesquisa lançada em janeiro no site mostrou que quase 30% dos influenciadores brasileiros ganham menos de R$ 3,5 mil por mês. Outros 21% disseram ganhar de R$ 5 mil a R$ 7 mil. Apenas 0,9% relataram ganhos que ultrapassam os R$ 400 mil mensais. 

Faz sentido: mega influenciadores – aqueles com no mínimo 1 milhão de seguidores em uma rede social – ainda são a minoria na internet. De modo geral, o mercado separa os influenciadores em quatro categorias. São elas: 

  • Mega influenciador: pessoas com, no mínimo, 1 milhão de seguidores em pelo menos uma rede social. Exemplos: Whindersson Nunes e Luva de Pedreiro
  • Macro: são aqueles com público de 500 mil a 1 milhão de seguidores.
  • Micro: influenciadores com público de 10 mil a 500 mil seguidores.
  • Nano: criadores de conteúdo com público de 1.000 a 10 mil seguidores em pelo menos uma rede social. 

Apenas novatos

Nem sempre os influenciadores não chegam ao “topo” por falta de sorte. mostra que até 37% dos influencers brasileiros trabalham na área há menos de três anos. Apenas 7,4% dos criadores de conteúdo estão na internet há mais de nove anos. 

A personal trainer Fernanda Queiroz é um exemplo dessa última fatia. Ela começou a postar vídeos no Instagram ainda em 2012, quando a rede social ainda estava longe da popularização massiva com o público brasileiro.

“Baixei o aplicativo porque deixava as fotos com um efeito legal e percebi que comecei a ganhar seguidores, muitos de fora do Brasil, quando publicava vídeos que fazia como ginasta”, conta. 

Como era professora de educação física, começou a divulgar as fotos e dicas de treinos na rede social. Em um certo dia, uma marca a buscou para o primeiro contrato pago. “Até então era uma brincadeira. Mas aí pensei: se eu for aceitar isso, vou ter que levar a sério. E aí tudo começou”, disse ao Giz Brasil

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Profissão tentadora

Segundo Fernanda, o trabalho nas redes sociais impulsionou sua carreira como personal trainer. Além do conteúdo para o Instagram, onde reúne mais de 315 mil seguidores, hoje ela concilia a internet com atendimentos online e presenciais, além de consultorias.

“Eu entendo perfeitamente quem sonha em ser influenciador”, afirmou. “Muita gente diz que é difícil, mas eu vejo por outro lado: você ganha muito bem, você ganha presente o tempo todo, viaja de graça. É óbvio que todo mundo quer isso. Eu fico indignada quando um influenciador diz que sua vida é difícil. Poxa, você ganhou muito mais em um único post do que muita gente leva o mês inteiro trabalhando para ganhar. Então é, sim, uma profissão muito tentadora”. 

Mesmo que não dê para “escolher” ser famoso, mesmo os influenciadores menores têm privilégios quando alcançam uma certa notoriedade nas redes. “Mas é importante dizer: nem todo mundo chega lá. Muitas pessoas que hoje são famosas já tinham um pé em boas relações ou acessaram um estilingue que as impulsionou. Poucos caminham sozinhos”, disse ela. 

Quem são os influenciadores no Brasil 

mostrou o perfil demográfico dos influenciadores brasileiros em 2022. Veja: 

  • 97,2% são cisgênero (ou seja, se identificam com o gênero biológico) 
  • 76,5% são mulheres 
  • 69% são brancos 
  • 68,1% têm idades entre 26 e 37 anos 
  • 68,1% são heterossexuais 
  • 60,3% são de São Paulo (SP) 
  • Em 2021, o Instagram era a entre os influenciadores no Brasil, com 94,3% da audiência. O YouTube e TikTok ficaram empatados, com 23,2% 
  • Estima-se que existam mais de 50 milhões de influenciadores no mundo
  • Globalmente, o faturamento anual desses profissionais supera os US$ 100 bilhões 

Sonhando alto 

Se a profissão é tentadora, não é por acaso que cada vez mais crianças escolham ser influenciador como sonho de carreira. Faz sentido: crianças e adolescentes têm acesso à internet e redes sociais cada vez mais cedo. 

(Centro de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação) mostram que mais de 20% das crianças têm o primeiro acesso à internet antes dos seis anos de idade. Em 2015, o mesmo percentual dizia ter ficado online pela primeira vez aos 10 e 12 anos. Hoje, os mais velhos que demoram a entrar no mundo virtual não passam dos 10%. 

Isso significa que os mais jovens precisam ter a garantia de uma internet segura – o que ultrapassa as barreiras da família. “Isso também é de responsabilidade do Estado”, disse Marina de Pol Poniwas, conselheira do CFP (Conselho Federal de Psicologia) e vice-presidente do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). 

Segundo ela, a questão esbarra no trabalho infantil e também no formato das famílias brasileiras, que são majoritariamente chefiadas por mulheres. “Colocar essa responsabilidade de fiscalização sobre os ombros das mulheres é bastante complexo e complicado”, disse ela ao Giz Brasil

De olho no ECA

“Pensar essa feminização do cuidado é uma questão importante, porque também são essas mulheres que ganham menos no mercado de trabalho. Quando o filho vê a possibilidade de virar influenciador, acaba se transformando em algo positivo para a família, uma possibilidade de aumentar a renda de pessoas que tendem a ser muito vulneráveis”, justificou. 

Nos menores, a atuação como influenciador colide com a lei que protege menores do trabalho infantil, definida pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). O dispositivo é uma forma de driblar a exploração infantil e definir regras para trabalho e aprendizado após os 14 anos. 

“Existe uma legislação específica sobre o trabalho protegido para adolescentes, que envolve programas de aprendizagem. Ou seja, o trabalho de jovens como influencers necessita de regulação do Estado”, defende a psicóloga. “Esperar que as famílias deem conta sozinhas dessas questões é insuficiente”. 

Descobrindo o caminho de influenciador

A filha mais jovem de Thaís faz vídeo de tudo e tem um sonho: ser influenciadora. “Acho que também é um pouco nossa culpa”, disse ela. “Criamos essa ilusão de que todos os influencers ganham muito dinheiro. Os grandes realmente ganham, é verdade, mas não é tão fácil chegar ao topo”. 

Segundo Balerone, cujo trabalho consiste em identificar influencers para campanhas de marcas, o trajeto não é simples, mas também não é impossível. “Dá para construir uma carreira linda, mas tem uma geração achando que é mais fácil do que parece. A verdade é uma só: ganhar dinheiro com isso é imprevisível, especialmente se você depende 100% de uma plataforma. Você nunca vai estar onde o algoritmo está”. 

Todos os influenciadores entrevistados para esta reportagem concordam que, para sobreviver, é essencial reunir muita pesquisa de mercado e networking com outros influenciadores, marcas e empresas. E, se possível, também ser um influenciador fora do digital. 

Thaís, por exemplo, continua fazendo atendimentos na extensão de cílios, sua principal área hoje. “É ali que eu consigo mostrar que eu sou eu. Se eu não estou no front, se me desconecto, não sei mais com quem estou falando. Por isso, continuar no offline é essencial para seguir online”. 

Julia Possa

Julia Possa

Jornalista e mestre em Linguística. Antes trabalhei no Poder360, A Referência e em jornais e emissoras de TV no interior do RS. Curiosa, gosto de falar sobre o lado político das coisas - em especial da tecnologia e cultura. Me acompanhe no Twitter: @juliamzps

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