Você já se perguntou se o seu cachorro se lembra daquelas vezes que você foi um mau dono? Um estudo científico mostra que provavelmente eles se recordam.
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Publicado na revista Current Biology, o mostra que cachorros, assim como humanos, conseguem lembrar fatos do passado, mesmo que esses fatos não sejam particularmente importantes ou significantes no momento. Isso sugere que os cachorros possuem uma “memória episódica”, que é a habilidade de viajar mentalmente no tempo e relembrar de experiências e eventos específicos, como momentos, lugares e emoções associadas. Além disso, a memória episódica também é um possível sinal de autoconsciência dos cães.
O fato dos cientistas precisarem provar isso pode ser uma surpresa para quem tem um cachorro. Eles geralmente agem de uma forma que sugere a memória episódica, ao se manter longe do gato do vizinho depois de um encontro desagradável, por exemplo. O problema é que não podemos ter a total certeza de que os cães estão realmente se lembrando de um evento passado, ou se eles estão se valendo da “memória semântica”, que é a memória de fatos e regras necessárias para a sobrevivência. Infelizmente não podemos perguntar a eles o que se passa em suas pequenas cabeças.
Evidências de memória episódica já foram encontradas em outras espécies, incluindo primatas, ratos e pombos. No entanto, estes outros estudos envolveram estímulos simples, como a presença ou ausência de comida, e foram conduzidos em laboratório, que são condições muito distantes da vida real.
“Faça como eu”
Para indicar a presença de um tipo de memória episódica em cães, Claudia Fugazza da MTA-ELTE Comparative Ethology Research Group em Budapeste, na Hungria, usou um truque chamado “Faça como eu” em que 17 cachorros foram treinados a assistir uma pessoa realizar uma ação específica e então repeti-la quando fosse dado o comando. Por exemplo, se o dono colocasse a mão num guarda-chuva e então dissesse “Faça isso!”, o cão também colocaria sua pata no guarda-chuva. Outras tarefas envolviam ficar numa mesa, sentar numa cadeira e pular obstáculos.
“Faça como eu!” Para o teste, os cães foram treinados a imitir ações humanas. Mas em alguns casos, eles não sabiam que deveriam se lembrar de determinados movimentos, mas ainda assim conseguiam se recordar deles – um sinal da memória episódica. Imagem: Claudia Fugazza, Ákos Pogány, and Ádám Miklós / Current Biology 2016.
Por si só, esse treinamento não era o suficiente para provar que os cães tinham memória episódica. Os pesquisadores precisavam mostrar que eles eram capazes de lembrar de um evento que eles não esperavam precisar lembrar.
“O estudo de memória do tipo episódica em não-humanos é particularmente desafiador porque implica avaliar um estado mental: codificação incidental de um evento [por exemplo, lembrar de coisas que não parecem ser importantes] quando não se sabe que é importante lembrá-lo”, contou Fugazza ao Gizmodo. “A maioria dos cientistas concordam que a codificação incidental pode ser pressuposta se o teste de recordação for inesperado, porque neste caso o sujeito não espera que um evento precise ser lembrado depois, portanto, não sabe que o evento é importante”.
Para criar um teste de recordação inesperado, os especialistas incluíram uma segunda parte no exercício “Faça como eu”. Os cães foram treinados para deitar depois de ver o humano realizar a ação, independente do qual fosse. Então, se o dono ficava numa mesa, o cachorro deitaria e ficaria ali. Mas às vezes, e de forma repentina, os pesquisadores surpreenderiam os animais ao pedirem para realizarem o comando “Faça isso!”. Os cães, depois de uma pequena pausa, realizavam a ação.
Isso significa que eles lembravam o que a pessoa fez, mesmo quando não tinham uma razão particular para pensar que deveriam se recordar disso. E é importante notar que os cães precisavam se lembrar de fatos que eles haviam visto, mas que não tinham executado ainda. Ou seja, eles precisavam vasculhar no “histórico recente” de seus cérebros e encontrar a informação necessária – em outras palavras, precisam utilizar a memória episódica. Os cientistas aplicaram esse teste de recordação para os cães depois de um minuto e uma hora, mostrando que eles são capazes de lembrar de ações demonstradas depois de um período curto ou mais longo (embora a memória ficasse mais fraca com o tempo).
“Nosso estudo é o primeiro a testar se cães de estimação em seus próprios ambientes naturais conseguem recordar de eventos complexos e cheios de conteúdo, que estão mais próximas das situações da vida real”, conta Fugazza. “Além disso, é o primeiro estudo a analisar a memória de ações realizada por outros, e não pelos próprios sujeitos”. Ela acredita que este método de testes pode ser utilizado e adaptado para diversas espécies, permitindo que cientistas entendam melhor como funciona a mente dos animais por meio de suas próprias ações, bem como ações realizadas por outros.
Como apontado, a memória episódica está ligada à autoconsciência, que é a capacidade de se ver como uma personalidade separada e diferente das outras. “Até agora nenhum teste foi aplicado com sucesso ao estudo da autoconsciência em cães”, contou Fugazza ao Gizmodo. “Acreditamos que o nosso estudo foi mais um passo em direção a possibilidade de resolver essa questão.”
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