Um buraco negro colidiu com um objeto que não deveria existir
Uma nova publicada no The Astrophysical Journal Letters descreve uma colisão entre um buraco negro e um objeto ainda a ser identificado. No momento deste encontro celestial, o buraco negro tinha uma massa 23 vezes maior que a do nosso Sol, mas o objeto desconhecido tinha apenas 2,6 vezes a massa do Sol, o que, como veremos adiante, é estranho.
Um buraco negro de 2,6 massas solares seria o menor já registrado — o buraco negro mais leve conhecido tem 5 massas solares. Por outro lado, uma estrela de nêutrons com essa massa seria a maior já registrada — as estrelas de nêutrons mais pesadas .
Seja um ou seja outro, não é nada que os astrônomos já tenham visto antes — e, de fato, poderia representar uma classe inteiramente nova de objetos compactos e densos.
“Essa descoberta é chocante porque encontramos um objeto com uma massa que não era esperada”, explica Imre Bartos, astrofísico da Universidade da Flórida e co-autor do novo estudo, em um e-mail para o Gizmodo. Segundo ele, acreditava-se que esta faixa de objetos compactos entre 2,2 e 5 massas solares era desabitada. Esse intervalo enigmático, aliás, é conhecido como intervalo de massa.
“Na minha opinião, a parte mais intrigante deste estudo é a detecção de um objeto no ‘intevalo de massa’, que é uma espécie de terra de ninguém entre a estrela de nêutrons mais pesadas e os buracos negros mais leves que medimos”, explica Thankful Cromartie, astrofísica da Universidade da Virgínia e do Observatório Nacional de Radioastronomia que não estava envolvida com o novo estudo.Os astrônomos já haviam testemunhado interações entre dois buracos negros, e até mesmo estrelas de nêutrons colidindo com outras estrelas de nêutrons, mas não um buraco negro colidindo com uma estrela de nêutrons. Se confirmada, essa fusão cósmica, denominada evento GW190814, seria a primeira. O Gizmodo escreveu sobre pesquisas preliminares sobre esse evento no ano passado.
O GW190814 foi descoberto em 14 de agosto de 2019 pelo pelo Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (LIGO) da Fundação Nacional da Ciência dos EUA e pelo detector Virgo. Essa fusão, localizada a 8 milhões de anos-luz da Terra, foi tão importante que criou ondulações no tecido do espaço-tempo. Elas irradiaram na forma de ondas gravitacionais que finalmente alcançaram detectores na Terra (obrigado, Einstein!). A discrepância na massa dos dois objetos, na proporção de 9:1, representa um novo extremo para um evento de onda gravitacional. O recorde anterior de disparidade de massa pertencia ao — uma colisão envolvendo dois buracos negros — que apresentava uma proporção de massa de 4: 1. Fusões cósmicas anteriores envolvendo estrelas de nêutrons, como o , de agosto de 2017, produziram ondas de luz detectáveis além de ondas gravitacionais, mas nenhuma luz foi detectada nessa fusão, apesar do fato de vários observatórios ao redor do mundo se voltara para o local após cientistas do LIGO e do Virgo terem enviado um alerta.É possível, dizem os autores, que a luz do GW170817 estivesse muito fraca, dadas as vastas distâncias envolvidas. Ou então o objeto desconhecido era um buraco negro, embora um buraco negro surpreendentemente abaixo do peso. Os pesquisadores sugerem outra possibilidade: era uma estrela de nêutrons que foi devorada pelo buraco negro em um grande gole, em uma fusão rápida que não produziu luz.
Uma imagem de uma visualização dos objetos mesclados, representados como dois buracos negros emitindo ondas gravitacionais. Imagem: N. Fischer, S. Ossokine, H. Pfeiffer, A. Buonanno (Instituto Max Planck de Física Gravitacional), Simulating eXtreme Spacetimes (SXS) Collaboration
Isso tudo é intrigante. Como Charlie Hoy, membro da LIGO Scientific Collaboration e estudante de pós-graduação da Universidade de Cardiff, diz em um : “Este é o primeiro vislumbre do que poderia ser uma população totalmente nova de objetos binários compactos.”
Cromartie disse que é improvável que o objeto mais leve seja uma estrela de nêutrons, “apesar de que este resultado seria emocionante”. Atualmente, não somos capazes de descobrir com certeza o que é o objeto, “mas é importante não gastar muita energia considerando essa possibilidade”, já que equipe do LIGO declarou explicitamente que isso não é provável, diz a astrofísica. A origem do objeto mais leve, de suas 2,6 massas solares, permanece sendo outro mistério. Tanto as estrelas de nêutrons quanto os buracos negros nascem quando estrelas massivas colapsam sob sua própria gravidade, disse Bartos, mas o novo objeto é “inconsistente com essa evolução, então algo deve ter criado outra coisa senão uma estrela que está morrendo”.Uma possibilidade interessante, diz Bartos, é que esse objeto tenha emergido da colisão de duas estrelas de nêutrons de “tamanho normal”, que tendem a pesar cerca de 1,3 massa solar. Assim, as duas poderiam se somar e formar a massa observada. Bartos acrescenta:
O fato de tal colisão ter sido seguida pela colisão do objeto remanescente com um buraco negro sugere que existe algum tipo de “linha de montagem” em ação aqui. Isso é realmente esperado no universo, em lugares onde existem muitos buracos negros e estrelas de nêutrons nas proximidades. Este é o caso no centro de todas as galáxias em que esses objetos migram devido à atração do buraco negro supermassivo central, que é encontrado em basicamente todas as galáxias. Também pode ajudar se algo facilitar as colisões, como um grande influxo de gás que se forma um disco ao redor do buraco negro supermassivo, e depois coleta e monta os pequenos buracos negros e estrelas de nêutrons. Na verdade, [esta é] outra grande surpresa sobre esse evento, as massas muito diferentes dos dois objetos em colisão, [isso] também aponta para um encontro violento.O próximo passo será confirmar e estudar mais fusões cósmicas. A boa notícia é que são esperadas mais detecções nos próximos meses e anos, à medida que nossos instrumentos astronômicos melhoram pouco a pouco. “A taxa de descobertas está acelerando — essa foi apenas a terceira colisão publicada pelo LIGO e pelo Virgo dentre os mais de 50 candidatos que ainda estamos analisando”, diz Bartos. Nos próximos anos, a taxa de descobertas aumentará ainda mais em uma velocidade considerável, disse ele, “para que possamos esperar detecções mais empolgantes” em uma base praticamente diária. Uau.