Bruce Lee: 50 anos de uma morte enigmática
A morte virou mistério. Mas o que Bruce Lee foi em vida?
Em 20 de julho de 1973, o ator e lutador de kung fu sino-americano Bruce Lee estava em Hong Kong, onde cuidava da preparação de seu quinto filme de artes marciais – que viria a ser “O Jogo da Morte” (“Game of Death”), lançado apenas em 1978. Já tinha filmado cenas de luta usando um macacão amarelo e preto depois imitado pelo diretor Quentin Tarantino (e vestido pela atriz Uma Thurman) nos dois filmes “Kill Bill”.
Naquela noite, Lee teria um jantar com o amigo e ator australiano George Lazenby (o 007 de um filme só) para acertar a participação dele em um filme. Almoçou com seu produtor Raymond Chow e ambos foram para a casa da atriz Betty Ting Pei para estudar um roteiro.
O produtor Chow foi embora e Bruce reclamou de dores de cabeça. Betty Ting lhe deu um analgésico potente e ele deitou-se para dormir um pouco. Nunca acordou.
O produtor Chow já estava com George Lazenby para o jantar marcado e se preocupou com a demora de Bruce. Voltou à casa de Betty e tentou acordar o ator de tudo que era jeito, sem sucesso.
A causa mortis oficial foi edema cerebral e a morte foi oficialmente considerada acidental. Dois meses antes, tinha desmaiado durante uma sessão de dublagem de “Operação Dragão” (“Enter the Dragon”) – que só estrearia nos cinemas um mês depois da morte. Bruce Lee tinha 32 anos.
Como havia uma febre mundial por artes marciais na época, nasceu um mito instantâneo que se desdobrou em várias lendas urbanas nos anos 1970 e desde então: como morreu Bruce Lee?
Havia os que juravam que Bruce morreu após um golpe mortal durante as filmagens e o caso foi acobertado.
Outros acreditavam que, também filmando uma cena, ele foi morto por um tiro do que deveria ser uma arma cenográfica (curiosamente, foi exatamente assim que morreria seu filho Brandon Lee durante a produção do filme “O Corvo”, em 1993).
Num mundo pré-internet que ainda não sabia como desmentir fake news (se bem que ainda não sabe muito), a cena isolada era vendida como se fosse um flagra de bastidores do assassinato acidental do lutador.
Havia também quem creditasse a morte à ação de espíritos malignos japoneses (Oni) e/ou que havia uma “Maldição de Bruce Lee”que vitimaria também seu filho Brandon.
Em 2005, o produtor Raymond Chow afirmou que Bruce morreu de reação alérgica ao sedativo meprobamato, presente no analgésico Equagesic que tomou.
E, em 19 de julho de 2023, véspera do 50º aniversário da tragédia, médicos de agora cogitam a hipótese de que isso teria sido causado por consumo excessivo de água por um Bruce que, sempre magro, estava com 58 kg – bem abaixo do peso máximo que teve na vida (72 kg).
Todas as versões alternativas disseminaram-se boca a boca porque, 50 anos atrás, Bruce Lee era um astro no auge e os filmes de artes marciais em geral eram sucesso em todo o mundo. Graças a Lee. Com sua passagem por Hollywood nos anos 1960, a participação como Kato – o chofer e ajudante do herói do seriado “O Besouro Verde” (1966-1967) – e a divulgação de seu soco de uma polegada e do estilo de kung fu que criou (o Jeet Kune Do), Lee foi fundamental para transformar as lutas orientais em um item pop duradouro. Até lutadores de MMA do século 21 citam Bruce como referência. A morte virou mistério. Mas o que Bruce Lee foi em vida?Estreia no cinema como bebê
Filho de um cantor de ópera chinês e uma euro-chinesa, Bruce nasceu com o nome Lee Jun-fan em 27 de novembro de 1940 em San Francisco, Califórnia, onde seu pai estava se apresentando. Por causa disso, o futuro lutador recebeu cidadania americana automaticamente, apenas pelo fato de ter nascido em território dos Estados Unidos. Antes de a família retornar a Hong Kong, Bruce estreou no cinema ainda bebê em “Jinmen Nü” (“Golden Gate Girl” ou também “Tears in San Francisco”), lançado em 1941 nos EUA para a colônia chinesa e em 1946 na Ásia. Lee já era “ator” antes mesmo de completar um ano. Na infância e adolescência em Hong Kong, Lee se interessou cedo em lutas. Participou de brigas de rua, treinou boxe na escola e ganhou torneios. Seus pais decidiram que, se era para lutar, que ele aprendesse direito e não na rua. Aos 13 anos, Bruce passou a estudar o estilo Wing Chun Kung Fu com o mestre Yip Man. Nunca parou de estudar o kung fu e a se aperfeiçoar, criando em 1967 seu próprio estilo, o Jeet Kune Do, mais livre que as rígidas regras de outras vertentes tradicionais. Bruce também desenvolveu toda uma filosofia de luta e vida em torno do Jeet Kune Do, que até hoje é encontrada em livros. Em 1959, os pais mandaram Bruce para morar em San Francisco com a irmã mais velha. Depois, ele moraria em Seattle e no estado de Minnesota por causa dos estudos formais. Em Seattle, começou a dar aulas de artes marciais com o estilo Jun Fan Gung Fu, uma variação que ele criou sobre o Wing Chun. Em 1961, entrou para a Universidade de Washington para estudar artes dramáticas, mas desistiu em 1964. De volta à região de San Francisco, Bruce abriu uma escola de luta. E, num evento em Long Beach, conheceu o produtor de TV William Dozier, que o convidou para um seriado sobre um filho do detetive Charlie Chan que acabou nunca sendo realizado.TV americana e filmes de Hong Kong
Dois anos depois, Dozier era o produtor de maior sucesso nos EUA graças ao seriado “Batman”. E teve a ideia de pegar outro herói de quadrinhos antigos para mais uma série, “O Besouro Verde”. Bruce Lee foi chamado para viver o oriental Kato, chofer e ajudante do herói-título. As artes marciais chegavam às massas. Para promover a nova série, Van Williams (o ator que fazia O Besouro Verde) e Bruce participaram de episódios da segunda temporada de “Batman”. Os roteiristas bolaram uma cena de luta em que Kato deveria ser derrotado por Robin. Lee simplesmente se recusou a gravar tal cena e abandonou o estúdio. Teria dito “É impossível alguém acreditar que eu perderia uma luta para Robin”. “O Besouro Verde” teve apenas uma temporada. Bruce seguiu fazendo participações em outras séries, mas sua escola de artes marciais atraiu vários atores, como Steve Mcqueen, maior ídolo de filmes de ação dos anos 1960. Em 1971, Bruce apresentou à Warner Bros. a ideia para um seriado chamado “The Warrior”, em que um lutador chinês de kung fu vaga pela região de San Francisco na época do Velho Oeste. Os executivos recusaram. No ano seguinte, a mesma Warner criou o seriado “Kung Fu”, em que um monge shaolin vaga pelo Velho Oeste americano… E, curiosamente, Bruce chegou a fazer testes para estrelar essa produção. Bruce perdeu o papel principal em “Kung Fu” para o americano David Carradine por causa do sotaque. A série fez muito sucesso e a Warner sempre jurou que não tinha chupado a ideia original de Lee.Entre a ideia de “The Warrior” e o teste para “Kung Fu”, Bruce voltou suas atenções para a forte indústria cinematográfica de Hong Kong e decidiu estrelar seus próprios filmes de artes marciais. O primeiro saiu foi “O Dragão Chinês” (“The Big Boss”), de 1971. Sucesso internacional. O segundo foi “A Fúria de Dragão” (“Fist of Fury”), em 1972. Outro triunfo.
Também em 1972, estreou o terceiro e, talvez, seu filme mais clássico: “O Voo do Dragão” (“The Way of the Dragon”). O ponto alto é a épica luta filmada no Coliseu, em Roma, entre Bruce Lee e o campeão mundial de caratê Chuck Norris, estreando no cinema num papel de vilão. No , a cena da luta foi postada no canal do usuário SIDJKD: O filme custou 130 mil dólares e arrecadou 85 milhões de dólares nas bilheterias. E revelou Norris, um dos principais astros de filmes de ação dos anos 1980. Em 1973, Bruce ainda completaria “Operação Dragão” (“Enter the Dragon”), que só estreou depois de sua morte. Este teve produção da Warner Bros. (o primeiro filme de artes marciais de Hollywood) e orçamento de 850 mil dólares. Uma aposta tranquila depois do sucesso dos longas anteriores produzidos em Hong Kong. As cenas filmadas para o filme seguinte foram reunidas e complementadas com outros atores na trama e dois dublês para preencher lacunas nas imagens de Bruce. Muitos atores se recusaram a participar do filme por considerarem um desrespeito a Bruce Lee. Mesmo assim, o longa-metragem póstumo estreou em 1978 como “Jogo da Morte” (“Game of Death”). Bruce é uma referência atemporal da cultura pop. Os tributos podem ir desde nome de música (“Bruce Lee”, lançada pelo grupo eletrônico Underworld em 1999) a documentários e a participação de um Bruce Lee fictício (interpretado pelo ator Mike Moh) no filme “Era Uma Vez em Hollywood…” (2019), do diretor e fã Quentin Tarantino.