Brasileiro da NASA conta os detalhes da próxima missão da agência em direção a Marte em 2020

Pousar coisas em Marte não é das funções mais fáceis. Para começar, a atmosfera do planeta vermelho não é como a nossa. Ela não é densa como a da Terra e, apesar de ter gravidade, não é como a do nosso planeta. Então, não é só mandar algo num veículo espacial, soltar lá perto, liberar […]
Ivair Gontijo ao lado do rover Curiosity. Crédito: Arquivo Pessoal
Pousar coisas em Marte não é das funções mais fáceis. Para começar, a atmosfera do planeta vermelho não é como a nossa. Ela não é densa como a da Terra e, apesar de ter gravidade, não é como a do nosso planeta. Então, não é só mandar algo num veículo espacial, soltar lá perto, liberar um paraquedas e correr para o abraço. A situação é tão complicada que, basicamente, só a NASA conseguiu aterrissar sondas e rovers por lá e garantir que durassem bastante tempo.

O bacana disso é que um dos especialistas neste ofício é um brasileiro. No caso, o mineiro Ivair Gontijo, que trabalha no JPL (Laboratório de Propulsão à Jato), um centro tecnológico responsável por desenvolver missões não tripuladas. Ele foi um dos responsáveis por criar sistemas que permitiram ao rover Curiosity, um jipezinho de 900 kg, a pousar intacto no planeta vermelho.

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“Agora, estamos nos preparando para a Mars 2020, que deve ser lançada em 2020 e só chegar em Marte em 2021”, disse Gontijo, falando de Los Angeles (EUA), em conversa por Skype com o Gizmodo Brasil.

Ivair Gontijo está na NASA desde 2006 trabalhando na engenharia de sistemas. Ele liderou o grupo que construiu os transmissores e receptores do radar responsável por controlar a descida final do rover Curiosity— uma das partes mais críticas do processo. Muito do que ele aprendeu com o Curiosity está sendo empregado agora no veículo da Mars 2020, que consiste em um jipezinho muito parecido com o enviado em 2011.

“O pessoal até brincava comigo dizendo: se esse radarzinho aí que você está trabalhando não der certo, teremos US$ 2,5 bilhões em ferro velho espalhado pela superfície de Marte”, contou, sobre a expectativa de conseguir pousar em 2012 o rover.

Durante conversa com o Gizmodo Brasil, falamos um pouco da sua trajetória (aliás, não é todo dia que se bate um papo com um brasileiro da NASA), os detalhes e dificuldades da próxima missão com destino à Marte, as expectativas para área de ciência e tecnologia do presidente eleito e sua participação na Campus Party 2019 — ele vai ser um dos palestrantes do evento, que será realizado entre 12 e 17 de fevereiro de 2019.

Abaixo, você confere trechos do nosso bate-papo com Ivair Gontijo:

Gizmodo Brasil: Como você foi parar na NASA?

Gontijo: Nasci no interior de Minas Gerais e trabalhei um tempo como técnico agrícola, inclusive administrei uma fazenda por três meses. Depois, fiz física na UFMG e mestrado em óptica. Após um tempo, fui fazer doutorado na Escócia, onde fiquei trabalhando por uns quatro anos. Em seguida, fui para os EUA, onde trabalhei como pesquisador da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles), e fui parar no JPL em 2006.

Gizmodo Brasil: Por que pousar em Marte é tão difícil?

Gontijo: A grande dificuldade em pousar em Marte é a atmosfera. O planeta vermelho não tem uma atmosfera densa como a nossa. A pressão atmosférica de lá é como a nossa a 30 km de altura. Então, o ar é muito fino. Um paraquedas para funcionar lá deve ser muito grande (na ordem de 21 metros de diâmetro) e, mesmo assim, ele só funciona em velocidades supersônicas. Ele é efetivo por mais ou menos uns dois minutos. Aí tem o problema de ele não enrolar no veículo, então temos que separá-lo da espaçonave com uma manobra.

Outra coisa é que a gravidade de Marte é 37% a da Terra — um corpo de 100 kg aqui pesa 38 kg lá. Então, a camada da atmosfera é muito baixa — o processo de interação com ela e redução de velocidade é bem complexo.

na superfície marciana em janeiro deste ano. Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS

Para contornar isso, com o Curiosity, antes de chegar em Marte, tivemos que fazer curvas em S no céu marciano parar ir perdendo velocidade. Ele voou mais de 100 km quase em paralelo com a superfície do planeta para chegar na cratera que queríamos. Sem contar que durante este processo, usamos dispositivos pirotécnicos, que são porcas e parafusos que explodem para ajudar no pouso.

Gizmodo Brasil: O Curiosity já terminou sua missão. O que ele tem feito em Marte?

Gontijo: De fato, já cumpriu a missão principal, mas é um veículo de US$ 2,5 bilhões e que funciona muito bem. Então, estamos ainda estudando a cratera onde ele está. Na região, tem rochas sedimentares, que foram formadas no fundo de um lago que havia nessa cratera. Em outra região, próximo a ela, tem material vulcânico.

Basicamente, estamos tentando entender os elementos dessas rochas e de como este planeta envelheceu e se tornou um lugar frio, quando no passado, a gente tem certeza que existiu um lago estável com água, que durou dezenas de milhões de anos. Para isso existir, foi preciso todo um ciclo hídrico, de chuva, de nuvem, rio alimentando esse lago. A atmosfera tinha de ser completamente diferente, então tem muito segredo de geologia e da evolução do planeta que vamos aprender com essas medidas que estamos fazendo com o veículo Curiosity.

Gizmodo Brasil: Você disse que está trabalhando na Mars 2020. O que ela difere da missão do Curiosity?

Gontijo: É praticamente uma cópia do Curiosity. O veículo é parecido fisicamente, mas um pouco mais comprido e largo. Os instrumentos são todos diferentes, até porque o objetivo da missão é outro.

O Curiosity foi para Marte para entender se o planeta tem/teve condições de ser habitado. E, de fato, descobrimos que na cratera Gale, onde o veículo desceu, teve todas as condições no passado de ser um local habitável. A Mars 2020 é a primeira missão de outras duas possíveis. A ideia é que a gente vá com o veículo e colete materiais com alguma evidência de material orgânico nelas. Vamos juntar essas amostras, colocar em tubinhos metálicos e vamos deixar isso na superfície de Marte.

Concepção artística do veículo da missão Mars 2020. Crédito: NASA/JPL-Caltech

Se tudo isso der certo, uma segunda missão — que seria possivelmente a mais perigosa já feita — iria para Marte com combustível e com um pequeno veículo para coletar essas amostras, colocar isso num foguetinho e disparar isso para a órbita do planeta. Se essa segunda der certo, uma terceira missão sairia da Terra com direção à órbita de Marte. As amostras seriam coletadas e trazidas de volta para cá, pois aí sim poderíamos trazer para cá e estudar com profundidade se já teve vida em Marte e entender a evolução do planeta. O cronograma é mais ou menos assim: a Mars 2020 sai em julho/agosto de 2020 e chega em Marte em 2021. Após passar um ano e meio coletando amostras, em torno de 2026, as amostras deverão ser coletadas por lá.

Gizmodo Brasil: Como é a comunicação entre Terra e Marte? Quanto tempo leva para vocês se comunicarem com o Curiosity lá na superfície marciana?

Gontijo: Quando o Curiosity estava chegando em Marte, o tempo para um sinal sair da Terra e chegar até lá era de 13,8 minutos. Porém, na descida, tudo estava sendo controlado via software. Nós só estávamos vendo as linhas de código sendo executadas daqui da Terra.

Mas, assim, tudo depende da posição dos planetas. Tem épocas em que a distância entre eles é menor, então a comunicação leva no máximo 5 minutos da Terra até lá. Existe época em que a Terra está de um lado, o Sol está no meio e Marte do outro lado. Aí, ficamos sem comunicação. Leva mais de um mês para Marte sair de trás do Sol e isso complica muito as operações. A comunicação é muito parecida com a que ocorre com telefone celular aqui na Terra, só que em vez de anteninhas, nós temos a DSN (Deep Space Network), um conjunto de antenas gigantes e um sistema sofisticado de comunicação via micro-ondas. Além de organizar a comunicação, ela rastreia espaçonaves no Sistema Solar inteiro, além das duas Voyagers que já saíram do Sistema Solar.

Gizmodo Brasil: O que falta para que o Brasil tenha mais pessoas na NASA ou envolvidas com ciência de ponta?

Gontijo: O nível dos nossos engenheiros e cientistas é excelente. A gente não deve nada para ninguém no resto do mundo — temos vários brasileiros em empresas de tecnologia por aqui [nos EUA] e tem muita coisa boa acontecendo por aí.

Mas, de modo geral, acho que falta um projeto de longo prazo. Às vezes, existe dinheiro, mas não tem continuidade. Falta, talvez, um plano para o país tentar quer dominar determinada área tecnológica e seguir com isso, e não depender de um ciclo político. Agora, o Brasil tem bons exemplos. A Embrapa pegou a soja, que é proveniente do Himalaia, e conseguiu adaptar para climas quentes e com alta produtividade. Sem contar a Embraer, que faz aeronaves que estão sendo usadas a todo momento em aeroportos aqui nos EUA. Devemos apontar os resultados bons para incentivar, e não só ficar olhando os problemas.

Gizmodo Brasil: O que você acha do fato de termos agora um ministro da ciência e tecnologia que é formado em engenharia e é astronauta?

Gontijo: Não o conheço pessoalmente, mas me parece [ser] uma pessoa séria, simpática e dedicada. Imagino que, com certeza, ter um engenheiro no ministério é melhor do que ter um político. Tem tudo para dar certo e espero que ele possa fazer uma boa administração.

Gizmodo Brasil: O que deve esperar quem for à Campus Party 2019 para ver sua palestra?

Gontijo: A ideia é dar detalhes da minha trajetória até a NASA, falar do desenvolvimento da missão que levou o Curiosity para a superfície marciana e passar um pouco a mensagem de que não importa o tamanho dos desafios, e que com trabalho é possível superá-los. Se quisermos ter resultados ambiciosos, é preciso foco e fazer o que for preciso para alcançá-los. Eu continuo fazendo isso e continuo trabalhando como se estivesse no início da minha carreira. Não existe segredo para o sucesso, só existe muito trabalho.

Se você se interessa pelo tema, Ivair Gontijo é autor do livro “” (Sextante) em que fala de sua trajetória até a NASA dos detalhes da construção e pouso do rover Curiosity em Marte.

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