Atrofia do cerebelo de paciente com epilepsia é ligada à doença, e não ao uso de medicamento, diz estudo
Texto: Luciana Constantino |
Estudo internacional com a participação de cientistas brasileiros mostra que a atrofia do cerebelo em pacientes com epilepsia está ligada à doença, ou seja, é uma característica que pode abrir novos caminhos para estudos. Até então, acreditava-se que a redução do volume dessa região responsável pelo equilíbrio e coordenação motora estivesse diretamente relacionada ao uso de um tipo de medicamento anticonvulsivo (a fenitoína).Realizado pelo , o estudo teve a participação do (), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi na revista científica Epilepsia, considerada a mais importante da área.
“Ainda há muitas coisas que não sabemos sobre as epilepsias. Assim como não tínhamos clareza do quanto a atrofia do cerebelo estava ligada à doença. Com esse trabalho, avançamos no entendimento de que a epilepsia tem impacto não só no cérebro como em outras regiões. É uma doença de redes. Agora precisamos começar a pensar no cerebelo como parte do entendimento do distúrbio”, explica à Agência FAPESP a professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp , integrante do BRAINN.
Yasuda é coautora do artigo juntamente com o neurologista , pesquisador responsável pelo BRAINN, e com , que atualmente faz doutorado sanduíche no King’s College London (Reino Unido) com o da FAPESP.
Em abril, a Liga Internacional contra Epilepsia (Ilae, na sigla em inglês) anunciou que Cendes foi selecionado para ser o novo editor-in-chief da revista Epilepsia. É a primeira vez que um pesquisador fora dos Estados Unidos e da Europa é escolhido para esse cargo na publicação científica, que ele assume a partir de setembro.
A doença
Resultado de uma combinação de fatores genéticos e ambientais, e sem cura, a epilepsia é uma condição neurológica em que, durante segundos ou minutos, uma parte do cérebro emite sinais incorretos, causando crises que podem se manifestar em convulsão – um tipo de crise epiléptica generalizada – ou outros tipos de crises, focais ou generalizadas. Os pacientes com casos mais graves chegam a passar por 40 ou 50 crises por dia, com perda de sentido e queda. As crises não controladas, além de ter impacto na rotina do paciente, são um grave risco de morte súbita e prematura. Estima-se que haja cerca de 2 milhões de brasileiros com epilepsia, sendo que pelo menos 25% não estão com a doença controlada, de acordo com o Ministério da Saúde. No mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que 70 milhões de pessoas são afetadas pelo distúrbio, sendo um terço resistente aos tratamentos disponíveis no mercado, que são feitos com uma combinação de medicamentos nem sempre eficaz. A maior parte das medicações disponíveis diminui a atividade dos neurônios de forma generalizada, controlando as crises, mas provoca efeitos colaterais. Em alguns casos de epilepsias focais, uma alternativa é a cirurgia para retirar a parte do cérebro que gera as crises.No ano passado, um estudo na revista Nature Genetics evelou uma espécie de “arquitetura genética” da doença, mostrando alterações específicas no DNA que sinalizam maior risco para o distúrbio cerebral e avançando na possibilidade de novos tratamentos. O trabalho também teve a participação de pesquisadores do BRAINN (leia mais em: ).
“A população sul-americana, especialmente a brasileira com sua grande miscigenação, sempre foi sub-representada em estudos internacionais desse tipo. Ter a nossa participação, com a grande quantidade, riqueza e robustez de dados que oferecemos, é extremamente importante para a ciência do Brasil. Poucos centros do mundo têm a quantidade e qualidade das informações que conseguimos aqui”, ressalta Yasuda.Metodologia
Os cientistas trabalharam com imagens de ressonância magnética dos pacientes e análises estatísticas do volume do cerebelo. Modelos de regressão linear foram usados para testar associações entre o volume do cerebelo e a duração da epilepsia. Também foram aplicados indicadores para investigar a associação entre o tratamento com fenitoína e o tamanho do órgão. O estudo demonstrou que, embora a fenitoína esteja associada à atrofia cerebelar, ela não explica a redução do tamanho que ocorre em todas as regiões do cerebelo nesses pacientes. Portanto, parte do processo de atrofia cerebelar independe das medicações e está relacionada à doença.O grupo brasileiro ainda recebeu apoio da FAPESP por meio de outros três projetos (; ; e ).
O artigo Patterns of subregional cerebellar atrophy across epilepsy syndromes: An ENIGMA-Epilepsy study pode ser lido em .