Ciência

Atrofia do cerebelo de paciente com epilepsia é ligada à doença, e não ao uso de medicamento, diz estudo

Descoberta contribui para o avanço na compreensão do distúrbio; pesquisa é uma das mais abrangentes sobre o assunto, com amostras de 1.600 pacientes, incluindo brasileiros
Imagem: Freepik/Reprodução

Texto: Luciana Constantino |

Estudo internacional com a participação de cientistas brasileiros mostra que a atrofia do cerebelo em pacientes com epilepsia está ligada à doença, ou seja, é uma característica que pode abrir novos caminhos para estudos. Até então, acreditava-se que a redução do volume dessa região responsável pelo equilíbrio e coordenação motora estivesse diretamente relacionada ao uso de um tipo de medicamento anticonvulsivo (a fenitoína).

O trabalho analisou dados de 1.602 pacientes de 22 países, dos quais 209 são brasileiros, e de outros 1.022 controles (382 do Brasil). Está sendo considerado a maior análise quantitativa das estruturas (morfometria) do cerebelo na epilepsia – incluindo tamanho, forma e volume. Concluiu-se que todos os tipos da doença – focal e generalizada – apresentaram reduções “significativas” de volume cerebelar, principalmente no lobo posterior, em relação aos indivíduos-controle. O volume menor nas regiões do lobo posterior também foi associado à maior duração da epilepsia. Para os pesquisadores, os resultados levantam questões importantes sobre a potencial vulnerabilidade de diferentes sub-regiões cerebelares nas causas, consequências e expressão clínica de características específicas da doença.
Ilustração do cérebro humano com o cerebelo destacado em amarelo (imagem: NIH)Ilustração do cérebro humano com o cerebelo destacado em amarelo (imagem: NIH)

Realizado pelo , o estudo teve a participação do (), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi na revista científica Epilepsia, considerada a mais importante da área.

O consórcio é uma rede internacional que reúne cientistas em genômica de imagem, neurologia e psiquiatria para compreender a estrutura e função do cérebro, com base em ressonância magnética, dados genéticos e outras informações de pacientes. Além das epilepsias, desenvolve investigações sobre várias doenças neuropsiquiátricas, entre elas Parkinson, Alzheimer, autismo, esquizofrenia e outras.

“Ainda há muitas coisas que não sabemos sobre as epilepsias. Assim como não tínhamos clareza do quanto a atrofia do cerebelo estava ligada à doença. Com esse trabalho, avançamos no entendimento de que a epilepsia tem impacto não só no cérebro como em outras regiões. É uma doença de redes. Agora precisamos começar a pensar no cerebelo como parte do entendimento do distúrbio”, explica à Agência FAPESP a professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp , integrante do BRAINN.

Yasuda é coautora do artigo juntamente com o neurologista , pesquisador responsável pelo BRAINN, e com , que atualmente faz doutorado sanduíche no King’s College London (Reino Unido) com o da FAPESP.

“A associação entre a redução de volume da região posterior do cerebelo e a duração da doença demonstra uma neurodegeneração mais abrangente e potencialmente progressiva em todas as formas de epilepsias. Esses achados defendem uma incorporação do dano sub-regional cerebelar na neurobiologia das epilepsias e têm implicações no contexto do tratamento e manejo clínico desses pacientes”, afirma Cendes.

Em abril, a Liga Internacional contra Epilepsia (Ilae, na sigla em inglês) anunciou que Cendes foi selecionado para ser o novo editor-in-chief da revista Epilepsia. É a primeira vez que um pesquisador fora dos Estados Unidos e da Europa é escolhido para esse cargo na publicação científica, que ele assume a partir de setembro.

A doença

Resultado de uma combinação de fatores genéticos e ambientais, e sem cura, a epilepsia é uma condição neurológica em que, durante segundos ou minutos, uma parte do cérebro emite sinais incorretos, causando crises que podem se manifestar em convulsão – um tipo de crise epiléptica generalizada – ou outros tipos de crises, focais ou generalizadas. Os pacientes com casos mais graves chegam a passar por 40 ou 50 crises por dia, com perda de sentido e queda. As crises não controladas, além de ter impacto na rotina do paciente, são um grave risco de morte súbita e prematura. Estima-se que haja cerca de 2 milhões de brasileiros com epilepsia, sendo que pelo menos 25% não estão com a doença controlada, de acordo com o Ministério da Saúde. No mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que 70 milhões de pessoas são afetadas pelo distúrbio, sendo um terço resistente aos tratamentos disponíveis no mercado, que são feitos com uma combinação de medicamentos nem sempre eficaz. A maior parte das medicações disponíveis diminui a atividade dos neurônios de forma generalizada, controlando as crises, mas provoca efeitos colaterais. Em alguns casos de epilepsias focais, uma alternativa é a cirurgia para retirar a parte do cérebro que gera as crises.

No ano passado, um estudo na revista Nature Genetics evelou uma espécie de “arquitetura genética” da doença, mostrando alterações específicas no DNA que sinalizam maior risco para o distúrbio cerebral e avançando na possibilidade de novos tratamentos. O trabalho também teve a participação de pesquisadores do BRAINN (leia mais em: ).

“A população sul-americana, especialmente a brasileira com sua grande miscigenação, sempre foi sub-representada em estudos internacionais desse tipo. Ter a nossa participação, com a grande quantidade, riqueza e robustez de dados que oferecemos, é extremamente importante para a ciência do Brasil. Poucos centros do mundo têm a quantidade e qualidade das informações que conseguimos aqui”, ressalta Yasuda.

Metodologia

Os cientistas trabalharam com imagens de ressonância magnética dos pacientes e análises estatísticas do volume do cerebelo. Modelos de regressão linear foram usados para testar associações entre o volume do cerebelo e a duração da epilepsia. Também foram aplicados indicadores para investigar a associação entre o tratamento com fenitoína e o tamanho do órgão. O estudo demonstrou que, embora a fenitoína esteja associada à atrofia cerebelar, ela não explica a redução do tamanho que ocorre em todas as regiões do cerebelo nesses pacientes. Portanto, parte do processo de atrofia cerebelar independe das medicações e está relacionada à doença.

O grupo brasileiro ainda recebeu apoio da FAPESP por meio de outros três projetos (; ; e ).

O artigo Patterns of subregional cerebellar atrophy across epilepsy syndromes: An ENIGMA-Epilepsy study pode ser lido em .

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