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As canções pop-rock de Natal que o mundo esqueceu

Surpresa de fim de ano: rock gravado em 1958 chega ao 1º lugar da parada 65 anos após o lançamento. Relembramos outras faixas que poderiam ter a mesma sorte nos próximos anos
Imagem: Reprodução
Natal e música pop não são incompatíveis. A lista de artistas que gravaram uma música natalina ou fizeram um ou mais álbuns com canções de fim de ano. Elvis Presley e Frank Sinatra nos anos 1950, Beach Boys nos anos 1960, Johnny Cash, Ray Charles e, mais recentemente, Los Lobos, Bob Dylan e Norah Jones fizeram seus discos especiais de Natal. Até jazzistas como Ella Fitzgerald entraram nessa.

Mas só algumas músicas natalinas tocam muito todo ano. Além das tradicionais, como “Noite Feliz”, são sempre grandes as chances de topar com “White Christmas”, de Bing Crosby – presente no “Guinness Book of Records” como a música mais vendida da história, com 50 milhões de cópias desde seu lançamento em 1942.

Quase onipresente no planeta a cada dezembro é “Happy Xmas (War Is Over), de John Lennon e Yoko Ono – e, no Brasil, toca muito também “Então É Natal”, a versão em português da cantora Simone para esta música que o ex-beatle lançou em 1971. Essas e algumas outras formam um clube pequeno. A maioria das canções pop de Natal são esquecidas depois do ano em que chegam às lojas (ou, hoje em dia, ao streaming). Dá para dizer que a maioria dessa maioria não merecia mesmo sorte melhor. Mas algumas merecem ser relembradas com maior frequência. Este é o caso da grande surpresa do mercado fonográfico dos EUA em 2023. Depois de 65 anos, “Rockin’ Around the Christmas Tree”, da cantora Brenda Lee, alcançou o 1º lugar de singles da Billboard, a parada oficial dos EUA e referência do que faz sucesso para o resto do mundo.

Brenda Lee era uma fenomenal cantora-prodígio de rock’n’roll e country de 13 anos quando gravou “Rockin’ Around the Christmas Tree” em 1958. A autoria é de um compositor especializado em canções de Natal, Johnny Marks, que já tinha alcançado o sucesso com “Rudolph, the Red-Nosed Reindeer” em 1949 – diga-se: Rudolph, a rena do nariz vermelho, é uma criação de Marks, não uma traição antiga de Natal. Marks fez “Rockin’ Around the Christmas Tree” quando descansava numa praia. Logo depois, ofereceu a canção a Brenda Lee, que então ostentava o apelido “Miss Dynamite”.

Curiosamente, Brenda não entrou na parada da Billboard com essa música em 1958. Nem quando a gravadora tentou de novo com um relançamento do compacto em 1959. Só no fim de ano de 1960 que “Rockin’ Around The Christmas Tree” se infiltrou pela primeira vez na parada, chegando ao 14º lugar. Nesse momento, Brenda era uma adolescente versátil que fazia mais sucesso que na época em que era uma menininha explosiva. Agora em 2023, aos 79 anos de idade, Brenda Lee relançou a mesma gravação que fez quando era menina com um clipe simples com participação das cantoras country Tanya Tucker e Trisha Yearwood, e colocou a música até no Tik Tok.

O resultado foi essa chegada ao 1º lugar da parada graças a vendas, audições e exibições. Nenhuma gravação demorou tanto tempo para alcançar o primeiro lugar. E Brenda superou em 15 anos o recordista anterior Louis Armstrong para tornar-se a pessoa com mais idade (e primeira septuagenária) a chegar ao topo da parada, mesmo que a gravação tenha sido feita quando ela entrava na adolescência. Vamos a uma seleção de músicas pop-rock de Natal que mereciam sorte semelhante à de Brenda Lee. A ordem é totalmente aleatória.

1- Chuck Berry – “Run Rudolph Run” (1958)

Em 1958, ainda em seu primeiro auge de pioneiro do rock’n’roll, Chuck Berry fez “Run Rudolph Run” imaginando a rena do nariz vermelho como um veloz e muito eficiente ajudante de Papai Noel. Era o lado B do compacto “Merry Christmas, Baby”. Pouco depois, Berry teve a desagradável surpresa de descobrir que o personagem Rudolph, bem como seu nome, eram marcas registradas de Johnny Marks, o compositor natalino acima citado no trecho sobre Brenda Lee. Marks entrou com processo e ganhou o direito de ser creditado como o compositor de “Run Rudolph Run”, dando um chega pra lá em Berry. Também foi incluído o nome de um parceiro, Marvin Brodie – segundo Berry, uma pessoa fictícia criada por Marks para ganhar ainda mais dinheiro com os direitos autorais. Chuck Berry fez duas músicas gêmeas de “Run Rudolph Run”: o mega clássico “Johnny B. Goode” e “Little Queenie”. Estas creditadas a ele até hoje. O clipe oficial animado acima, que transforma Chuck em parceiro de Papai Noel na noite de Natal, foi feito e lançado em 2020.

2- Elvis Presley – “Merry Christmas Baby” (1971)

Elvis gravou muitas músicas de Natal. Seu primeiro álbum natalino saiu em 1957, ainda em seu primeiro auge como Rei do Rock’n’Roll, e tinha como carro-chefe a maravilhosa “Santa Claus Is Back In Town”. Mas há outra faixa sensacional gravada por Presley em 1971 que não teve o mesmo destaque: “Merry Christmas Baby”, um blues lento que parece gravado numa madrugada depois que o bar fechou as portas. O original foi lançado em 1948 pelo trio vocal Johnny Moore’s Three Blazers. Dez anos depois, Chuck Berry fez uma cover (citada no trecho acima sobre “Run Rudolph Run”). Enciclopédia musical de blues, rhythm’n’blues, country e gospel, Elvis resgatou a canção para seu álbum “Elvis Sings The Wonderful World of Christmas”, de 1971, e botou muita personalidade na interpretação.

3- Otis Redding – “Merry Christmas Baby” (1967)

O nome é o mesmo, mas a música é outra. Esta “Merry Christmas Baby” é um soul animado do brilhante cantor Otis Redding, acompanhado pelo órgão festivo de Booker T. Jones. Porém, Otis não viu a faixa ser lançada em disco. Foi uma de várias gravações que ainda estavam inéditas quando Otis morreu aos 26 anos num acidente de avião em 10 de dezembro de 1967. “Merry Christmas Baby” só saiu para a temporada de festas de 1968, como lado B do single “White Christmas”.

4- Novos Baianos – “Boas Festas” (1973)

Uma das mais belas composições da música popular brasileira é “Boas Festas”, escrita pelo baiano Assis Valente numa triste e solitária véspera de Natal em 1932 depois de quatro anos de vida dura no Rio de Janeiro. Por ser mais tristonha, quase deprê, “Boas Festas anda bem menos ouvida nos dezembros recentes. Mas, em 1973, o impacto permanente de “Boas Festas” era mais intenso. E o grupo Novos Baianos aproveitou para regravar a singela música. Naquele momento, o coletivo de Moraes Moreira, Baby Consuelo, Paulinho Boca de Cantor e Pepeu Gomes tinha acabado de triunfar com o enorme sucesso do álbum “Acabou Chorare”, de 1972. A faixa de abertura do referido LP era uma música de Assis Valente, “Brasil Pandeiro”, que tocou muito nas rádios. Com o fim do ano chegando, a banda tentou repetir a dose com outra canção de Valente. Os Novos Baianos se apresentaram no “Fantástico”, da Rede Globo, com “Boas Festas” e a música chegou a ter algum impacto na época, mesmo sendo lançada apenas em compacto. Hoje, está injustamente esquecida.

5- The Beach Boys – “Little Saint Nick” (1963)

Em novembro de 1963, O grupo dos irmãos Wilson lançou um compacto de Natal para celebrar seu primeiro ano de sucesso estrondoso na carreira. “Little Saint Nick” é uma composição do gênio Brian Wilson em parceria com o primo e vocalista Mike Love. Um ano depois, tornou-se a faixa de abertura do LP natalino “The Beach Boys’ Christmas Album”. Em 2020, a banda (sem qualquer Wilson há muitos anos) lançou o clipe de animação oficial acima.

6- The Ramones – “Merry Christmas (I Don’t Want to Fight Tonight)” (1989)

Já veteranos, os Ramones incluíram uma música de Natal no álbum “Brain Drain”, de 1989. A letra de “Merry Christmas (I Don’t Want to Fight Tonight)” sugere um membro de um casal pedindo uma trégua nas brigas e discussões contínuas dentro do lar. Em sentido figurado, também pode ser um pedido de trégua para a inimizade entre o vocalista Joey e o guitarrista Johnny Ramone, que começou por volta de 1980 e não acabou nem com a morte de Joey em 2001 (Johnny morreu em 2004).

7- The Kinks – “Father Christmas” (1977)

A mais britânica de todas as bandas britânicas já estava bem longe dos primeiros lugares das paradas que conheceu nos anos 1960. Mas a criatividade e o senso de humor torto do líder Ray Davies seguia intacto em 1977, quando os Kinks lançaram o single natalino “Father Christmas”. Na letra, garotos pobres cercam um Papai Noel de loja e exigem que eles lhes dê dinheiro, porque brinquedos não servem para nada. “Dê todos os brinquedos pros riquinhos”, ordenam os meninos enquanto ameaçam dar uma surra no bom velhinho. O arranjo pesado é do guitarrista Dave Davies, irmão do vocalista e compositor. E foi Ray quem encarnou o Papai Noel/Father Christmas no clipe oficial.

8- The Sonics – “Don’t Believe In Christmas” (1965)

Uma das mais cultuadas bandas de garage rock da história, os Sonics já tinham lançado seus clássicos “The Witch” e “Psycho” quando participaram de um compacto de Natal de sua gravadora Norton no final de 1965. Um lado do single ficou com The Wailers, banda conterrânea de Tacoma, Washington (cidade na região de Seattle). O outro trouxe os Sonics com um rock que negava o Natal. A melodia de “Don’t Believe in Christmas” remete a “Too Much Monkey Business”, do mestre Chuck Berry.

9- Garotos Podres – “Papai Noel, Velho Batuta” (1985)

Para seu LP de estreia pelo selo independente Rocker em 1985, o grupo punk paulista Garotos Podres teve de submeter suas letras à Censura Federal, ainda ativa nos momentos finais da Ditadura Militar brasileira (1964-1985) e no comecinho da Nova República. É claro que a faixa “Papai Noel Filho da P…” teve modificações na letra e o título ficou “Papai Noel, Velho Batuta”. O vocalista Mao, figura central da banda, até achou que a transformação enriqueceu a música, tirando a obviedade do palavrão explícito. É um clássico em seu gênero, mas não anda muito lembrada ultimamente.

10- Big Star – “Jesus Christ” (1975)

Não tem Natal no título, não tem clichês natalinos na letra, mas é uma canção cujo refrão singelo é “Jesus Cristo nasceu hoje”. Uma sacada do cantor e compositor americano Alex Chilton para o terceiro e último álbum de sua banda Big Star, o bagunçado mas artisticamente impecável “3rd” (ou “Sister Lovers” em alguns lançamentos alternativos).

11- Tom Waits – “Christmas Card From a Hooker in Minneapolis” (ao vivo, 1978)

Em sua fase boêmia em que se imaginava cantor de bar dos anos 1930 ou 1940, Tom Waits compôs a música sobre o cartão de Natal de uma prostituta de Minneapolis. No vídeo acima, de uma apresentação de TV no programa “Austin City Limits” em 1978, Waits abre cantando “Silent Night” (para a gente, “Noite Feliz”) antes de emendar “Christmas Card…”.

12- Simon & Garfunkel – “7 O’clock News / Silent Night” (1966)

Falando em “Silent Night”, a dupla Simon & Garfunkel fez uma versão de alto impacto político em 1966. A voz cristalina de Art Garfunkel entoa a canção tradicional enquanto ao fundo, com volume que vai subindo, ouve-se um noticiário da TV americana divulgando uma relação de soldados americanos mortos na Guerra do Vietnã. O contraste entre a música de paz e o som da TV falando de guerra e morte é tocante.
Marcelo Orozco

Marcelo Orozco

Jornalista que adora música, cultura pop, livros e futebol. Passou por Notícias Populares, TV Globo, Conrad Editora, UOL e revista VIP. Colaborou com outros veículos impressos e da web. Publicou o livro "Kurt Cobain: Fragmentos de uma Autobiografia" (Conrad, 2002).

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