Ciência

Área no norte de Minas Gerais está no período mais seco dos últimos sete séculos

Conclusão decorre de análise da composição química de rochas de caverna no município de Januária, na bacia do São Francisco
Foto: Daniel Menin

Texto: Marcos Pivetta/Revista Pesquisa Fapesp

A composição química de duas formações rochosas compridas e de superfície arredondada (estalagmites) encontradas no piso da Caverna da Onça, no vale do Peruaçu, um tributário do rio São Francisco, sugere que o norte de Minas Gerais enfrenta atualmente sua época mais seca dos últimos 720 anos. Um estudo coordenado por geólogos reconstituiu o clima do passado na região por meio da análise de isótopos (formas) de oxigênio e carbono obtidos de amostras desse par de estalagmites. A água que goteja do teto da gruta é rica em cálcio e carbonato e dá origem às formações, as estalagmites.

A partir da proporção dos diferentes isótopos armazenados nas rochas, é possível inferir parâmetros do clima de centenas e até milhares de anos atrás, como volume de chuvas e evaporação (esse último parâmetro é diretamente influenciado pelo aumento de temperatura). Foi isso que, inicialmente, os pesquisadores fizeram. Em seguida, compararam os dados mais antigos com registros meteorológicos e climatológicos de localidades vizinhas à caverna e concluíram que, desde os anos 1970, a área enfrenta uma crescente aridez. Entre 1979 e 2016, a cada década, as chuvas totais reduziram-se em 7%, cerca de 70 milímetros (mm), a evapotranspiração aumentou 18% (125 mm), e a vazão dos rios locais caiu 20%. A temperatura média da região subiu 2 graus Celsius (ºC) nos últimos 250 anos.
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“A chuva não consegue mais acompanhar a demanda atmosférica por água em razão do aumento da evaporação associada às temperaturas crescentes nas décadas mais recentes”, comenta o geólogo Nicolas Strikis, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc-USP), autor principal do estudo, publicado no final de fevereiro na revista científica Nature Communications. Por meio de modelos computacionais, a equipe também simulou como seria o clima na região em um cenário sem aumento dos gases de efeito estufa na atmosfera. Concluiu que o déficit hídrico ali só pode ser explicado quando se leva em conta os efeitos do aquecimento global, um processo induzido majoritariamente por atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis e mudanças no uso da terra (corte de áreas verdes para abrir espaço para outras atividades).

O estudo só foi possível porque a Caverna da Onça, situada em terras do município de Januária, apresenta condições particulares e está localizada em uma área com registros meteorológicos antigos para os padrões brasileiros, dos últimos 110 anos. A gruta é bem ventilada e fica no fundo de um vale, um cânion, com 200 metros (m) de profundidade. Sua entrada é aberta para o ambiente externo por meio de um buraco de 50 m de largura por 10 m de altura. As amostras das duas estalagmites utilizadas no estudo provêm dessa área que conecta o interior da cavidade com o clima do mundo de fora.

A umidade relativa do ar ali varia entre 50% e 100% e as temperaturas entre 17 ºC (inverno) e 25 ºC (verão). “São raros os estudos feitos em uma caverna assim”, conta o geólogo Francisco Cruz, também do IGc-USP, coordenador de um projeto financiado pela FAPESP que apoia o trabalho. “Normalmente, trabalhamos em cavernas mais fechadas, onde a umidade e a temperatura são quase constantes e a atmosfera local representa apenas o ambiente interno, não o externo.” Outra particularidade é o baixo grau de perturbação do entorno da gruta. Inserida nos domínios de uma Unidade de Conservação federal, o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, a caverna está em um fundo de vale, no pé de montanhas, onde não há atividades agrícolas ou de pecuária. O clima local, portanto, não é significativamente perturbado por atividades humanas vizinhas.

Isso reforça a ideia de que os resultados das análises químicas com as amostras de rocha provenientes da entrada da caverna refletem o clima externo da região sem grandes influências de atividades antrópicas locais. “Apenas as condições naturais da região não explicam nossos dados”, comenta a meteorologista Marília Harumi Shimizu, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), também coautora do trabalho. “O estudo mostra que é preciso levar em conta também o aumento planetário das emissões de gases de efeito estufa para entender
as secas de longo prazo em regiões do leste da América do Sul.”

Projeto
Pire: Educação e pesquisa em clima das Américas usando os exemplos de anéis de árvores e espeleotemas (Pire-Create) (); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Francisco William da Cruz Junior (USP); Investimento R$ 7.247.472,50.

Artigo científico
STRIKIS, N. M. et al. . Nature Communications. 26 fev. 2024.

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