Área no norte de Minas Gerais está no período mais seco dos últimos sete séculos
Texto: Marcos Pivetta/Revista Pesquisa Fapesp
A composição química de duas formações rochosas compridas e de superfície arredondada (estalagmites) encontradas no piso da Caverna da Onça, no vale do Peruaçu, um tributário do rio São Francisco, sugere que o norte de Minas Gerais enfrenta atualmente sua época mais seca dos últimos 720 anos. Um estudo coordenado por geólogos reconstituiu o clima do passado na região por meio da análise de isótopos (formas) de oxigênio e carbono obtidos de amostras desse par de estalagmites. A água que goteja do teto da gruta é rica em cálcio e carbonato e dá origem às formações, as estalagmites.•
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“A chuva não consegue mais acompanhar a demanda atmosférica por água em razão do aumento da evaporação associada às temperaturas crescentes nas décadas mais recentes”, comenta o geólogo Nicolas Strikis, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc-USP), autor principal do estudo, publicado no final de fevereiro na revista científica Nature Communications. Por meio de modelos computacionais, a equipe também simulou como seria o clima na região em um cenário sem aumento dos gases de efeito estufa na atmosfera. Concluiu que o déficit hídrico ali só pode ser explicado quando se leva em conta os efeitos do aquecimento global, um processo induzido majoritariamente por atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis e mudanças no uso da terra (corte de áreas verdes para abrir espaço para outras atividades).
O estudo só foi possível porque a Caverna da Onça, situada em terras do município de Januária, apresenta condições particulares e está localizada em uma área com registros meteorológicos antigos para os padrões brasileiros, dos últimos 110 anos. A gruta é bem ventilada e fica no fundo de um vale, um cânion, com 200 metros (m) de profundidade. Sua entrada é aberta para o ambiente externo por meio de um buraco de 50 m de largura por 10 m de altura. As amostras das duas estalagmites utilizadas no estudo provêm dessa área que conecta o interior da cavidade com o clima do mundo de fora.Isso reforça a ideia de que os resultados das análises químicas com as amostras de rocha provenientes da entrada da caverna refletem o clima externo da região sem grandes influências de atividades antrópicas locais. “Apenas as condições naturais da região não explicam nossos dados”, comenta a meteorologista Marília Harumi Shimizu, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), também coautora do trabalho. “O estudo mostra que é preciso levar em conta também o aumento planetário das emissões de gases de efeito estufa para entender
as secas de longo prazo em regiões do leste da América do Sul.”
Projeto
Pire: Educação e pesquisa em clima das Américas usando os exemplos de anéis de árvores e espeleotemas (Pire-Create) (); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Francisco William da Cruz Junior (USP); Investimento R$ 7.247.472,50.
Artigo científico
STRIKIS, N. M. et al. . Nature Communications. 26 fev. 2024.