Análise de ossos prova que “Homem de Marfim” de 5 mil anos era uma mulher

Mais de uma década depois da descoberta do esqueleto, pesquisadores descobriram que se trata de uma mulher, derrubando a tese anterior
O túmulo da mulher estava cheio de objetos luxuosos. Imagem: Grupo de pesquisa ATLAS, da Universidade de Sevilha/Divulgação
Enterrado com uma presa de elefante, um pente de marfim, uma adaga de cristal, uma casca de ovo de avestruz e uma adaga de sílex incrustada com âmbar, o esqueleto descoberto em um túmulo perto de Sevilha (Espanha), em 2008, claramente já foi alguém importante – e era uma mulher.

Recentemente, foram derrubadas teorias de longa data sobre o “Homem de Marfim”, como foi batizado o esqueleto de 5 mil anos. Mais de uma década depois da descoberta, um grupo de especialistas utilizou um novo método molecular para analisar os ossos e confirmar o sexo, como parte de um estudo mais amplo.
O túmulo da mulher estava cheio de objetos luxuosos. Imagem: Grupo de pesquisa ATLAS, da Universidade de Sevilha/Divulgação

Veio então a revelação: na verdade, o esqueleto é de uma mulher. As informações são da  e da , que contaram a história. O estudo foi publicado nesta semana na revista , assinado por oito pesquisadores da Universidade de Sevilha. A tese anterior, de que se tratava de um homem, foi baseada em uma análise do osso pélvico. Um arqueólogo havia identificado o esqueleto de 5 mil anos como um provável jovem do sexo masculino que morreu entre os 17 e 25 anos. Essa é a técnica mais comum para determinar o sexo de uma pessoa com base nos restos mortais, porque o osso pélvico das mulheres geralmente tem aberturas mais largas do que as dos homens.

O problema é que os ossos do quadril são muito finos em comparação com outras partes, como o crânio. Isso significa que eles se tornam quebradiços, com o tempo, e podem ser facilmente esmagados. Por isso, é fácil cometer erros, como no caso da “Dama de Marfim”. Os autores do estudo acreditam que essa mulher foi uma líder proeminente, reverenciada por pelo menos oito gerações após sua morte. As sepulturas de dezenas de pessoas e outras características que cercam sua tumba abrangem 200 anos após seu falecimento, de acordo com a datação por radiocarbono. Ou seja, seu legado foi importante. Os itens enterrados junto com a “dama”, bem como outros acrescentados posteriormente, são os mais valiosos encontrados em mais de 2 mil túmulos pré-históricos conhecidos na Espanha e em Portugal. Nenhuma tumba masculina de importância semelhante daquela época foi encontrada na região.
Um punhal de cristal foi encontrado no túmulo. Imagem: Grupo de pesquisa ATLAS, da Universidade de Sevilha/Divulgação

Novo método para determinar o sexo dos esqueletos

O método mais recente para determinar o sexo de ossos antigos – usado pela primeira vez em 2017 – envolve a análise do esmalte dentário, que contém um tipo de proteína com um peptídeo específico do sexo, chamado amelogenina, que pode ser identificado em laboratório. A análise de dois dentes do esqueleto detectou a presença do gene AMELX – que produz amelogenina e está localizado no cromossomo X – indicando que os restos eram femininos, e não masculinos, de acordo com o estudo. Em outras pesquisas, a técnica também foi usada para acabar com o estereótipo do “homem caçador”, que influenciou muito o pensamento sobre a sociedade pré-histórica. O DNA antigo também pode revelar o sexo de restos mortais humanos, mas é facilmente contaminado, caro e muitas vezes não é possível recuperá-lo de ossos danificados, principalmente em regiões mais quentes. A amelogenina, no entanto, pode ser bem preservada, o que significa que pode ser amplamente usada para descobrir o sexo, até mesmo de esqueletos incompletos.
As descobertas relacionadas ao seu túmulo sugerem que a Dama do Marfim era reverenciada por sua comunidade. Imagem: Grupo de pesquisa ATLAS, da Universidade de Sevilha/Divulgação

Pesquisa revoluciona estudos sobre sexo e gênero

Os cientistas da Universidade de Sevilha responsáveis pela investigação ficaram surpresos com a novidade. A descoberta sobre essa mulher e a sociedade em que ela vivia abre uma nova janela para o passado e provavelmente forçará muitos estudiosos a repensarem suas visões e teses sobre tempos pré-históricos e as civilizações antigas. “No passado, não era incomum um arqueólogo encontrar (restos) e dizer: ‘OK, esse indivíduo tem uma espada e um escudo. Portanto, ele é um homem. Claro, profundamente equivocado, porque assume que no passado os papéis de gênero eram como os concebemos hoje”, disse à CNN Leonardo García Sanjuán, professor de pré-história da instituição de ensino em Sevilha e coautor do estudo. Embora tenha sido batido o martelo sobre o sexo biológico do esqueleto, nada se sabe sobre a identidade de gênero da “Dama de Marfim”, e os estudiosos não devem impor normas de gênero modernas às populações do passado. É o que pensa Rebecca Gowland, arqueóloga e professora na Universidade de Durham (Reino Unido). “Pode ser que eles [a sociedade em questão] tivessem algum status especial que fosse mais significativo do que sua identidade de gênero, ou sequer houvesse um sistema binário de gênero”, observou a pesquisadora.

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