Agricultura de precisão permite obter diferentes vinhos a partir de uma mesma plantação
Texto: André Julião, de Itobi (SP) | Agência FAPESP
Quem olha as fileiras uniformes de videiras numa vinícola não consegue encontrar diferenças entre as plantas. No entanto, mesmo num pequeno talhão, o solo e as parreiras possuem uma série de características variáveis que, por sua vez, produzem uvas com características diferentes e, consequentemente, dão origem a vinhos distintos. Essas variações, porém, são evidentes apenas com o uso de instrumentos que detectam até mesmo as mais sutis diferenças no solo e nas folhas das videiras.Um projeto pela FAPESP e coordenado por cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) está mapeando essas áreas em duas vinícolas do interior de São Paulo. A , em Itobi, e a , em Ribeirão Preto.
Colheitas separadas dentro de um mesmo talhão já proporcionaram vinhos experimentais distintos entre si nas duas vinícolas. Isso porque, a depender das condições do solo e das plantas, as uvas podem ter mais ou menos açúcares, ácidos ou compostos fenólicos. E mesmo a graduação alcoólica do vinho resultante pode variar. O estudo abre caminho para a criação de produtos diferenciados, com maior valor agregado e características desejáveis, sem que seja necessário abrir novas áreas de plantio. Permite ainda uma melhor gestão da água e de fertilizantes.“Usamos diversas medidas para avaliar a variabilidade que os vinhedos apresentam de forma natural para que, a partir disso, o enólogo possa tirar vantagens de alguma característica em particular do vinho produzido a partir de determinada parte do vinhedo. É o que chamamos de vitivinicultura de precisão”, explica , pesquisador da Embrapa Instrumentação, em São Carlos, e coordenador do projeto.
Diferenças na taça
Na Casa Verrone, propriedade de 35 hectares há 40 anos na família, o vitivinicultor Márcio Verrone cultiva 15 hectares de uvas viníferas e para suco desde 2008. Com o projeto iniciado em 2019, desde 2021 apoiado pela FAPESP, as perspectivas são as melhores possíveis. “Dentro de uma mesma área foi possível dividir uma parte de alta qualidade e outra com menos. Podemos, por exemplo, usar as uvas da primeira para produzir um vinho especial, até mesmo com um selo de agricultura de precisão ou algo do tipo. Esse vinho pode ainda ser usado num corte [mistura], de forma a elevar o padrão do vinho da outra área. As possibilidades são muitas”, projeta Verrone. Ricardo Baldo, diretor da Vinícola Terras Altas, em Ribeirão Preto, afirma que já usa o vinho das melhores áreas para cortes com os das outras. Em breve, com o mapeamento de toda a propriedade, espera criar produtos exclusivos, a partir dos frutos dos melhores talhões da vinícola. “Graças à vitivinicultura de precisão, também podemos gerir melhor o uso da água e de fertilizantes. Sabemos quais áreas precisam de mais, menos ou mesmo nenhum desses recursos, fazendo um uso inteligente deles”, relata. Na Casa Verrone, as duas partes da mesma área da variedade Syrah, de cerca de 1,1 hectare, foram identificadas a partir do cruzamento de informações sobre umidade e condutividade elétrica aparente do solo, além de medidas nas plantas como porometria (que indica o quanto as folhas estão transpirando), teor de clorofila e índices vegetativos (medidos por sensores carregados pelos próprios pesquisadores, embarcados em um drone ou mesmo em um satélite). Com os resultados, a área foi dividida entre a que proporcionava um alto e um baixo vigor vegetativo, que é o quanto a planta produz de biomassa, entre outras características bioquímicas.A enóloga Isabella Magalhães, da Casa Verrone, apresentou à reportagem da Agência FAPESP os dois vinhos experimentais obtidos das áreas de alto e de baixo vigor vegetativo. A chamada microvinificação, numa escala menor do que a industrial, foi feita no Núcleo Tecnológico Uva e Vinho da Epamig, em Caldas (MG).
“Ambos têm uma cor rubi, porém, mais delicada no vinho da área de alto vigor vegetativo e mais intenso no de baixo vigor. Enquanto no primeiro consigo sentir no nariz frutas frescas, podendo levar esse vinho para envelhecer em barrica, no outro tenho um vinho para ser tomado mais jovem, em todo o seu vigor”, compara Magalhães, enquanto degusta os dois produtos. O projeto conta com os doutorandos Larissa Farinassi e Anderson Pereira, da FCA-Unesp, e os estagiários Victor Nogueira, Gabriel Ferreira, Victor Gambardella e Augusto Sorrigotti, graduandos em engenharia agronômica no Centro Universitário Central Paulista (Unicep), em São Carlos. Para Bassoi, além da capacitação de mão de obra, o projeto traz inovação ao setor, levando a agricultura de precisão, bastante presente em culturas como café, soja e cana-de-açúcar, para a viticultura, em que ainda é incipiente no Brasil. “Nossa ideia é trazer um novo parâmetro para os produtores poderem alavancar seus produtos no mercado, que ainda tem muito preconceito com os vinhos nacionais. Temos produtos de alta qualidade”, encerra o pesquisador.