Entendendo o impasse entre o Brasil e o maior consórcio astronômico do mundo
A comunidade astronômica brasileira está ansiosa por uma definição do governo brasileiro. Trata-se da possível entrada em definitivo do país no ESO (Observatório Europeu do Sul), que é considerado o maior consórcio astronômico do mundo – mas a atual crise política e econômica pode colocar tudo a perder.
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A adesão em definitivo envolve um pagamento na ordem de 270 milhões de euros (mais de R$ 1 bilhão com o câmbio atual) parcelados em 10 anos. O projeto foi avaliado pela Câmara e em 2015 e foi aprovado nas duas casas. E é aí que entra o governo brasileiro: desde então, isso está nas mãos da presidente Dilma Rousseff, que pode sancionar ou vetar o projeto.
O telescópio para caçar planetas
Desde que foi cogitada a entrada efetiva do Brasil no ESO, a entidade passou a contar em seu planejamento com a possível contribuição do país. Um exemplo disso é o projeto de construção do E-ELT (European Extremely Large Telescope), um telescópio óptico com uma lente de 39 metros de diâmetro — atualmente, o maior telescópio na Terra tem .
O custo total do projeto é 1 bilhão de euros, e com ele será possível analisar a superfície de exoplanetas, estudar populações estelares e fazer observações do universo profundo.Concepção artística do E-ELT (European Extremely Large Telescope) no deserto do Atacama, no Chile. Crédito: ESO/L. Calçada
Em um , a entidade previa que o Brasil se tornaria um membro efetivo em 2013. No entanto, o processo se arrastou por todos esses anos; por isso, o órgão fez uma espécie de plano de contingência. “O ESO vai construir o E-ELT com ou sem o Brasil. O problema é que, sem o Brasil, as atividades não ficarão prontas até 2024, como queremos, e sim em 2026”, explica Tim de Zeeuw, diretor geral do ESO, ao Gizmodo Brasil.
Por que pode ser bom
Por que o Brasil deveria fazer parte integralmente do consórcio? Para o brasileiro Claudio Melo, diretor científico do ESO, nossa comunidade astronômica terá mais incentivo para crescer, e o país passará a ter maior divulgação sobre o tema. Durante nossa visita ao observatório Paranal, no deserto chileno, ele usou uma analogia para explicar a importância da adesão. “Seria praticamente um efeito Guga”, disse ele, em referência ao sucesso do tenista Gustavo Kuerten. A (Sociedade Astronômica Brasileira) afirma ter mais de 800 sócios, e diz ter passado por um grande crescimento fora dos grandes centros. A perspectiva é chegar a 2.000 membros em dez anos. Outro fator que deve ser levado em conta é o desenvolvimento tecnológico. A astronomia é uma área que praticamente só faz ciência pela ciência — boa parte das iniciativas são bancadas por estados. Mas de acordo com Melo, cerca de 70% do valor investido por um país que se torna membro do ESO é “reembolsado” em forma de contratos com companhias nacionais. Ele argumenta que existe toda uma questão tecnológica, pois os equipamentos desenvolvidos são de ponta. Sobre este aspecto, Tim de Zeeuw explica:O Brasil tem sólidas instituições e com vastos conhecimentos técnicos interessantes. Em Itajubá (MG), por exemplo, há um instituto mundialmente conhecido por saber lidar com fibras ópticas extremamente finas, o que seria muito importante para determinados instrumentos nos observatórios. Além disso, o país vende petróleo e até constrói aviões. Todos esses itens são de nosso interesse.
Problemas
A iniciativa levanta questões econômicas e científicas. Para começar, o Brasil, além de uma crise econômica, passa por uma crise política. A presidente Dilma Rousseff, durante visita a Santiago (Chile) no fim de fevereiro, :Nosso ingresso no Observatório Europeu do Sul trará benefícios não somente para a indústria brasileira, mas também para a ciência e a educação no Brasil. E essa é uma cooperação com o Chile.No entanto, com a retração econômica, o governo brasileiro pode considerar o investimento de 270 milhões de euros muito alto diante do cenário atual.
E um astrônomo ouvido pelo Gizmodo Brasil sob condição de anonimato considera que a adesão “é um exemplo de má política científica, pois há parcelas baseadas no PIB do país”, disse. “O PIB do Brasil pode ser comparável com o da França, mas nossa comunidade de astrônomos é menor que a da Holanda.”
Para o astrônomo, por ora, há alternativas mais baratas. Ele cita, por exemplo, o CFHR (Canada-France-Hawaii Telescope), um observatório localizado no Havaí de propriedade dos EUA, Canadá e França, para o qual . Além disso, há o Gemini, do qual o Brasil já participa em convênio com Argentina, Estados Unidos, Canadá e o Chile. De acordo com o astrônomo, “a produtividade de astrônomos brasileiros neste observatório é considerável comparada com a de outros países-membros do consórcio”.Imagem do pôr de sol no observatório Gemini, que fica no deserto chileno. Crédito:
Só em 2014, foram publicados 27 artigos de autores ou coautores brasileiros, segundo . Ao todo, foram contabilizados 224 artigos publicados como resultado de observações. O feito é relevante, pois o Brasil só tem 6% de tempo de observação e conseguiu pouco mais de 10% das publicações.Em sua defesa, o ESO diz que concedeu descontos ao Brasil na taxa de adesão e nas contribuições anuais, pois leva em consideração a crescente comunidade astronômica. O Brasil só deve começar a pagar as mesmas taxas dos países europeus após 10 anos — enquanto isso, haverá um aumento gradual. Além disso, a instituição diz que, antes mesmo de o Brasil ser membro do ESO, pesquisadores brasileiros produziram mais de 180 artigos entre os anos de 2006 e 2010 — lembrando que o ESO, na época, já contava com dois observatórios.
O consórcio ainda argumenta que é importante ter mais concorrência entre cientistas, pois isso ajuda os profissionais a serem mais criteriosos ao submeter observações. Para que uma pesquisa seja realizada, uma equipe avalia os pedidos de observações dos astrônomos de países-membros e seleciona quais deles são mais relevantes.Vale a pena?
O país deve ganhar na área astronômica, aumentando o interesse pelo assunto, e na área tecnológica, ao participar da construção de dispositivos de ponta. Além disso, como único membro não-europeu do ESO, o Brasil poderia se beneficiar em uma série de licitações até por uma questão geográfica — por que trazer algo da Europa quando isso puder ser feito em nosso próprio continente? A presidente já deu sinais de que quer a parceria. Questionados, o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia da Inovação), gabinete da presidência e o Itamaraty informam que não têm atualização sobre o processo. Agora, vai ser tudo uma questão de qual ministério deve fornecer o dinheiro, e se a crise permitirá tal investimento.Imagem do topo: telescópios do observatório Paranal, que fica no deserto do Atacama, no Chile. Crédito: Guilherme Tagiaroli
O Gizmodo Brasil viajou para o deserto do Atacama, no Chile, a convite do ESO (Observatório Europeu do Sul).