Abelhas nativas sem ferrão: parque do Instituto Butantan abriga mais de uma centena de ninhos e quase dez espécies
Reportagem: Natasha Pinelli/Instituto Butantan
Na cidade de São Paulo, o parque do Instituto Butantan é uma espécie de oásis para diversos exemplares da fauna nativa. Entre eles, estão as chamadas abelhas sem ferrão, ou meliponíneos. Segundo levantamento realizado por biólogos do Museu Biológico e do setor de Meio Ambiente do Butantan, são mais de uma centena de ninhos e cerca de dez espécies. Nos mais de 725 mil metros quadrados de área verde do Instituto, é possível encontrar a jataí (Tetragonisca angustula), a jataí-da-terra (Paratrigona subnuda), a tubuna (Scaptotrigona bipunctata) e a abelha-feiticeira (Trigona recursa), entre outras.
População do Butantan
O trabalho de levantamento das abelhas sem ferrão do Butantan começou há cerca de cinco anos. De acordo com Marcelo, o primeiro passo foi fazer o mapeamento e a contabilização do número de ninhos, assim como a identificação de suas respectivas espécies. As colmeias próximas às áreas de visitação do parque são acompanhadas com mais frequência, pois distúrbios tendem a ser mais corriqueiros; já as que se encontram dentro da mata são inspecionadas eventualmente. “É curioso, porque embora muitos ninhos estejam na área do parque, a maioria das pessoas passa batido e nem reconhece que são abelhas.”Diferentemente da “abelha comum”, a Apis mellifera, as sem ferrão instalam suas colmeias dentro do tronco de árvores, onde a madeira está mais consumida. Quase em frente ao Museu Biológico, onde centenas de pessoas circulam diariamente, está localizada uma árvore que abriga dois ninhos: um de abelha-mandaguari (Scaptotrigona postica) e outro de tubuna. Já nas imediações do Serpentário e do Edifício Vital Brazil, onde se encontra a Biblioteca Científica do Butantan, há três colmeias: uma de jataí e duas de iraí (Nannotrigona testaceicornes) – essa última possui, em média, quatro milímetros de comprimento e é considerada uma das menores abelhas sem ferrão do Brasil.
Apesar da escala reduzida, com um pouco de atenção é possível compreender parte da dinâmica do ninho. “Podemos ver as operárias indo e voltando com suas corbículas [parte da perna utilizada para o transporte de pólen] cheias, assim como a movimentação das abelhas-guardas, responsáveis pela segurança da entrada. Muitas vezes elas saem de ‘ré’ e sobrevoam a região como um drone”, explica o biólogo, que adora observar o vaivém dos bichos. Também há circulação daquelas que saem da colmeia levando os resíduos produzidos, garantindo a limpeza do espaço.Em troncos um pouco mais afastados dos olhos dos visitantes, é possível encontrar espécies não tão amigáveis, como a borá (Tetragona clavipes), que persegue e morde seus inimigos, e a abelha mirim-droryana (Plebeia droryana), também adepta do método de perseguição. Distantes poucos metros umas das outras, de tempos em tempos elas entram em conflito. “Geralmente as borás, que são maiores, tentam invadir o ninho das abelhas menores. Mas depois tudo se acalma e elas voltam a viver pacificamente.” Para que as operárias não errem de endereço e invadam ninhos alheios, os insetos derramam uma certa quantidade de própolis na entrada das colmeias, uma vez que a substância produzida possui um odor único e característico.
Guerra dos tronos
A organização social da tribo Meliponini é bem similar à da A. mellifera: uma rainha faz a postura dos ovos e cada descendente vai assumir um papel específico para a manutenção e pleno desenvolvimento da colmeia. No geral, as mais novas começam executando trabalhos internos, auxiliando na limpeza do espaço e na produção de alimento, até se tornarem maduras o suficiente para sair e realizar a coleta de pólen e néctar, utilizados como matéria-prima para a produção de mel – abelhas maiores podem voar até 1,5 quilômetro distante da sua colmeia, enquanto as menores se afastam por cerca de 300 metros.
Apesar da boa convivência perdurar na maior parte do tempo, intrigas e tentativas de destituição da abelha-rainha podem acontecer. No melhor estilo Game of Thrones, uma princesa “virgem” pode levantar um motim contra a rainha. “Ela secreta substâncias adocicadas em cima de sua oponente para atrair o restante da população, que expulsa a abelha-rainha da colmeia”, conta o analista do Museu Biológico. Mas o esperado é que a sucessão aconteça pacificamente, com a princesa assumindo o posto de uma rainha morta ou iniciando o seu próprio ninho “do zero”.
Espécies ameaçadas
Infelizmente, todas as espécies de abelhas estão seriamente ameaçadas, inclusive as nativas sem ferrão. Um dos principais problemas é o uso de agrotóxicos na agricultura, já que os defensivos utilizados contra a disseminação de pragas afetam outros insetos. Como uma única abelha pode acabar envenenando outras, colmeias inteiras têm sido dizimadas em um curto espaço de tempo. Outro impacto é a ausência de espaços para que elas façam seus ninhos. “A falta de árvores, mais especificamente de troncos podres, contribui para o declínio da população”, pondera Marcelo. Por fim, há a ameaça do próprio aquecimento global, impulsionado pela ação humana, uma vez que as abelhas não se adaptam bem ao calor extremo.Atualmente, o Brasil possui quatro espécies ameaçadas de extinção: a uruçu-amarela (Melipona rufiventris), nativa da região do Cerrado; a uruçu-capixaba (Melipona capixaba), originária da Mata Atlântica, mais especificamente de regiões montanhosas do estado do Espírito Santo; a uruçu-nordestina (Melipona scutellaris), que ocorre tanto na Caatinga como na Mata Atlântica do Nordeste brasileiro; e a cupira-paraibana (Partamona littoralis), também da Mata Atlântica, mais especificamente de pequenas áreas do Rio Grande do Norte e da Paraíba.
A fim de reforçar a importância desses polinizadores para o desenvolvimento sustentável do planeta e alertar sobre as crescentes ameaças que eles vêm enfrentando, a . Celebrada em 20 de maio, a data também busca fomentar e fortalecer medidas de proteção direcionadas às abelhas e outros polinizadores.