3 anos de Covid: “Pandemia escancarou desigualdades”, diz Natalia Pasternak
Em 31 de dezembro de 2019, o escritório da OMS (Organização Mundial da Saúde) na China recebeu o alerta de que vários casos de uma doença desconhecida pipocavam no país. Sem que o resto do mundo ainda se desse conta (demorou umas boas semanas até que o fizéssemos), começava a Covid-19.
Três anos depois, mais de 650 milhões de pessoas já se contaminaram com o SARS-CoV-2. Destas, quase 6,7 milhões morreram devido às complicações causadas pelo vírus. A Covid mudou o mundo: deixou sofrimento e, também, lembrou nossa espécie de sua própria vulnerabilidade.
“Talvez o maior ensinamento tenha sido que a pandemia escancarou as desigualdades sociais que interferem na saúde”, disse a microbiologista e presidente do (Instituto Questão de Ciência), Natalia Pasternak, em entrevista ao Giz Brasil.
“A Covid serviu para os países ricos acordarem e verem que não podem negligenciar o que acontece nos países mais pobres. Se não for por uma atitude humanitária, que seja por interesse próprio. Algo precisava mudar para encararmos a globalização de doenças. Vírus não têm fronteiras”, diz Pasternak.
Na África, só 24% da população está completamente vacinada contra a Covid. Metade dos 54 países africanos . No resto do mundo, a cobertura total da vacinação chega a 64%.
O motivo: a maioria desses países dependeu da iniciativa Covax, que falhou em cobrir a imunização nas nações mais pobres. “A Covax fracassou. Era uma ideia que parecia ótima, mas agora vimos que [o programa] precisa ser repensado para outras emergências que virão”, pontuou a cientista.
//www.instagram.com/p/CkE3f1Av0Mn/Reduzir a dependência
O mundo foi pego de surpresa pela necessidade urgente de novas vacinas, ao mesmo tempo em que dependia fortemente dos insumos da China e Índia.
“Essa necessidade está sendo debatida. Muitos grupos estudam a criação de fábricas de vacinas na África e em outros continentes para suprir a demanda em regiões desassistidas”, diz.
Pasternak, porém, se diz incerta sobre a capacidade global de atender – e entender – esses erros. Ela cita como exemplo a mpox (antigamente chamada de varíola dos macacos): autoridades da Nigéria já haviam alertado para a varíola incomum em 2017. À época, o país pediu ajuda e solicitou vacinas, mas não foi atendido.
Agora, a região subsaariana da África é a com menos vacinados no mundo e já registra aumento de infecções pela Covid. Ao mesmo tempo, há baixas taxas de casos graves e mortes – o que contribui para a percepção de que o vírus já não é mais um problema urgente.
Mas não vacinar todo mundo significa abrir espaço para o surgimento de novas cepas, como a variante ômicron, que já é predominante no Brasil.
A tendência é que os contágios aumentem em janeiro, depois das festas de final de ano, adiantou Alexandre Naime Barbosa, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, à .
Novas pandemias pela frente
Aumentar a independência dos países para combater suas epidemias é essencial para conter a próxima pandemia – que pode não tardar a estourar. O aquecimento global, o aumento da população humana – que chegou a 8 bilhões de pessoas em novembro — e a crescente mobilidade humana criam condições favoráveis para o desenvolvimento de novas doenças virais de forma muito mais rápida que anos atrás.
A intensificação na criação de animais facilita a disseminação de doenças para humanos, enquanto o aumento de temperaturas é prato cheio para o avanço da população de mosquitos, que são vetores de novas doenças.
“É uma receita para doenças endêmicas. Se juntarmos essas condições e não desenvolvermos os aparatos para barrar esses patógenos emergentes, seremos pegos de surpresa todas as vezes”, afirmou Pasternak.
O foco, agora, deve ser no investimento de sistemas de detecção, monitoramento de animais, ambiente e meteorologia, especialmente na prevenção de enchentes, secas e aumento de temperaturas.
O ideal seria contar com uma organização internacional central e um sistema de aviso com organizações e governos locais. “É algo que precisa ser levado a sério se não quisermos ficar tão vulneráveis quanto ficamos com a Covid. Um tremendo desafio”, pontuou.